sábado, 22 de março de 2008

Da ausência e do silêncio de Deus à proclamação que "o condenado" VIVE!

Não havia nenhum discípulo aos pés da cruz de Jesus para ouvir as suas últimas palavras. A praxe romana não permitia. Daí a confirmação de alguns relatos evangélicos de que "havia somente algumas mulheres de longe...." Todavia, todos os evangelhos colocam na boca de Jesus exclamações, gritos, palavras que refletem, coerentemente, as teses e os objetivos de suas cristologias. Se é impossível recuperar historicamente as palavras reais de Jesus, é-nos possível intuir quais " interpretações" alguns grupos de seguidores de Jesus , - talvez muitos anos mais tarde, - deram à morte do mestre.
Com efeito, nós lemos seja a vigorosa e consciente exclamação do "tudo está consumado" de João, bem como o grito desesperado e angustiante do "Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste" de Marcos. Na primeira, tudo faz parte do plano de Deus. Nada surpreendente. Tudo estava previsto e esperado. Jesus é Deus e tudo Ele sabia!!!!!
No segundo, algo se quebrou. Deus se fez de parte. Ele não cumpriu a sua parte, a de salvar o Filho! Deus não se manifestou e deixou o profeta, o HOMEM dedicado e amigo dos pobres, entregue ao seu próprio destino....Ou, pelo menos, assim alguns dos seus seguidores interpretaram!

Se fôssemos recuperar, embora parcialmente, as atitudes, as palavras, as expectativas do "Jesus histórico" (aquele não interpretado e idolatrado pelos disípulos!) não cabe dúvida que o profeta itinerante, o galileu, estava aguardando com uma fé "exagerada" - diriamos, hoje, fanática,- a manifestação gloriosa e poderosa de Deus e do seu reinado. Daí a decisão de ir a Jerusalém. Alí esperava o momento único da revelação definitiva. Isso não ocorreu. Ao contrário, ele é preso e sumariamente executado. Talvez o seu grupo esperasse algo parecido, se não diretamente de Deus, com certeza de Jesus. Frustração completa: o mestre é vergonhosamente preso e humilhado!
O que parece ser uma mera reflexão histórica, a posteriori, torna-se necessariamente uma reflexão existencial sobre a dinâmica da vida. Não é de Jesus que está-se falando, e sim do ser humano. Homens e mulheres que alimentam sonhos, fé cega num Deus que se auto-proclama fiel, constroem e acariciam projetos de vida, se dedicam gratuitamente para que a vida possa vingar e, ao contrário do esperado, acabam colhendo decepção, dispersão, abandono, solidão, traição, tristeza sem fim.
O silêncio de Deus parece falar mais alto. A Sua ausência incomoda, angustia, questiona nossas certezas, nossos dogmas, nossos cultos formais desligados dos dramas dos...humanos! Deus, porém, se faz presente também na morte: não fala, mas está aí no nosso velório. No velório da humanidade!

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