sexta-feira, 4 de julho de 2008

Eduardo Galeano: continua a surpreender!

Vou reproduzir, parcialmente, um artigo de Eduardo Galeano que me enviaram...Vale a pena ler!
"Nossa região é o reino dos paradoxos.Brasil, peguemos alguns casos:Paradoxalmente, Aleijadinho, o homem mais feio do Brasil, criou as mais altas belezas da arte da época colonial;paradoxalmente, Garrincha, arruinado desde a infância pela miséria e pela poliomielite, nascido para a infelicidade, foi o jogador que mais alegria deu em toda a história do futebol;e, paradoxalmente, já completou cem anos de idade Oscar Niemeyer, que é o mais novo dos arquitetos e o mais jovem dos brasileiros.
Peguemos o caso da Bolívia: em 1978, cinco mulheres enfrentaram uma ditadura militar.Paradoxalmente, toda Bolívia riu delas quando iniciaram sua greve de fome.Paradoxalmente, toda Bolívia terminou jejuando com elas, até que a ditadura caiu.Eu conheci uma dessas cinco lutadoras. Domitila Barrios, no povoado mineiro de Llallagua. Em uma assembléia de operários das minas, todos homens, ela se levantou e fez todos se calarem.- Quero lhes dizer isto - disse. Nosso inimigo principal não é o imperialismo, nem a burguesia, nem a burocracia. Nosso inimigo principal é o medo, e o levamos dentro de nós.E anos depois reencontrei Domitila em Estocolmo. Expulsa da Bolívia, foi ao exílio, com seus sete filhos. Domitila estava muito agradecida pela solidariedade dos suecos, cuja liberdade admirava, mas eles lhe davam pena, tão solitários que estavam, bebendo sozinhos, comendo sozinhos, falando sozinhos. E lhes dava conselhos:- Não sejam bobos – dizia a eles. Nós, lá na Bolívia, nos juntamos. Ainda que seja para lutar, nos unimos.
E quanta razão tinha.Porque eu digo: Existem os dentes, e não se juntam na boca? Existem os dedos, e não se juntam na mão?Juntamos: e não apenas para defender o preço de nossos produtos, mas também, e sobretudo, para defender o valor de nossos direitos. Estão juntos, embora de vez em quando simulem rixas e disputas, os poucos países ricos que exercem a arrogância sobre todos os demais. Sua riqueza come pobreza, e sua arrogância come medo. Há bem pouco tempo, peguemos este caso, a Europa aprovou a lei que converte os imigrantes em criminosos. Paradoxo dos paradoxos: a Europa, que durante séculos invadiu o mundo, fecha a porta nos narizes dos invadidos, quando retribuem a visita. E essa lei foi promulgada com uma assombrosa impunidade, que seria inexplicável se não estivéssemos acostumados a ser comidos e viver com medo.Medo de viver, medo de dizer, medo de ser. Esta nossa região faz parte de uma América Latina organizada para o divórcio de suas partes, para o ódio mútuo e a mútua ignorância. Mas, somente estando juntos seremos capazes de descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos adestrou para o medo e a resignação e a solidão e que cada dia nos ensina a não nos querermos, a cuspir no espelho, a copiar em lugar de criar."

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