sábado, 2 de agosto de 2008

Multiplicando pão e partilha: boa nova para os “sem pão” e para os...”sem cobiça”! (Mt.14,13-21)

O trecho evangélico dominical exalta mais uma vez o grande sonho-utopia de alguns grupos do antigo Israel: a realização de um grande banquete onde todos os povos (não somente Israel!) pudessem aceder e se fartarem com “carnes gordas e vinhos refinados”. Lugar onde “toda lágrima seria enxugada”. O profeta Jesus alimenta essa utopia explorando toda oportunidade, ocasião, pretexto. Mas só isso seria pouco demais! Jesus, de alguma forma, vai além da utopia, a supera e a realiza. A “u-topia” (algo que não se encontra-constrói em nenhum lugar) torna-se “topia” (algo que se encontra-constrói em algum lugar). E como um bom pedagogo, oferece algumas dicas......

1. “Viu uma grande multidão” (v.14) O ver do profeta Jesus vai além de uma simples função fisiológica. Vai além de um simples olhar sociológico, uma constatação fenomenológica. É o olhar penetrante que mergulha nas ânsias e anseios das pessoas, nas angustias, nas fobias inconscientes e nas expectativas coletivas. A multidão reduzida e numericamente insignificante torna-se, aqui, “grande”, do tamanho de suas necessidades e da sua vontade de ser vista. Jesus consegue ver os que são “invisíveis” aos olhos dos que moram nos palácios governamentais e episcopais, e nos gabinetes e câmaras municipais.
2. “tomado de compaixão....” (v.14) em grego: “as vísceras se contorceram”. Em outras palavras: Jesus sentiu até na alma o drama das pessoas. Ter compaixão não é uma mera sensação reflexa de caráter psicossomático, mas é uma postura perante as pessoas e as situações da vida. Implica ser educado a “sentir”. Quem não sente não vê. Poderíamos dizer que Jesus sentiu, contorceu-se por dentro, e por isso viu...a grande multidão e suas necessidades.
3. “Despede as multidões para que vão às aldeias comprar alimento para si” (v. 15) O pensamento-prática dos discípulos vão na contra-mão da utopia acariciada e apregoada por grupos minoritários de Israel. Segundo os discípulos o “grande banquete” só pode ser construído mediante o dinheiro (compra-venda), ou seja, relações de mercado. Além disso, um mercado voltado não para comprar e abastecer a todos e sim, para si próprio. Relações mercantilistas e individualistas. É isso que eles conhecem e é isso que eles reproduzem. Eles precisam fazer a experiência de conhecer algo alternativo. Fazer a experiência que a abertura e a acolhida do outro, a solidariedade, o estar com, não podem jamais ser comprados.
4. “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.16) Frequentemente delegamos os outros a fazer e a assumir responsabilidades e compromissos. Colocamo-nos no meio da “grande multidão” como mediadores e intermediários iluminados, mas o discípulo é aquele que assume, se expõe, não tem medo de se sujar, de se queimar, de se misturar. O banquete é construído se é a gente que providencia o necessário para que as pessoas ao sentarem à mesa tenham de que se alimentar.
5. “Só temos aqui 5 pães e 2 peixes” (v.17) O alimento já está entre nós. Não precisamos comprá-lo. Ele está mal distribuído, mas é o suficiente para que se evite entrar na dinâmica do mercado, na compra-venda. E é suficiente para que se alimentem todos os presentes. Trata-se, agora, de convencer as pessoas de pôr em comum o alimento que já está dentre eles e encontrar os critérios para partilhá-lo de forma equânime entre todos.
6. “Todos se saciaram e ainda recolheram 12 cestos” (v.20) Jesus consegue persuadir os presentes a tomarem consciência de que o banquete não é preparado por alguém externo, um benfeitor ou um caridoso, mas que ele é o resultado da capacidade de “nós mesmos” socializarmos o pouco ou o muito que temos. E distribuí-lo segundo os critérios das necessidades, da justiça restaurativa, e não segundo os critérios da justiça distributiva (dar a cada um o seu!). A quem precisa mais, dá-se mais, a quem precisa menos, se dá menos! O resultado imediato é claro: fartura plena para todos os presentes que participaram. E mais do que isso: sobra tanto alimento (12 cestos!) capaz de alimentar a humanidade inteira, - que não está aí, - mas que poderá ser convidada e se saciar ao participar da construção da "topia" do “grande banquete”. As sobras não são as mais-valias de uma relação mercantilista que não existiu, mas a prova evidente de que relações sociais e econômicas alternativas podem ser experimentadas e construídas. O inédito e o surpreendente estão ao nosso alcance: multipliquemos pão e justiça!

Bom domingo a todos-as!

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