quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Jesus de Nazaré: o itinerário de uma liderança

Proponho algumas anotações/reflexões sobre liderança, tema a mim proposto pela paróquia de São Francisco em ocasião de sua assembléia anual.

Não vamos seguir os esquemas dos cursos das empresas para ser líderes de vendas ou para melhor extrair resultados das pessoas. Vamos seguir o itinerário histórico de Jesus enquanto líder e enfatizar os aspectos que mais o definem como tal. É uma tentativa de olhá-lo pela ótica da “liderança”. Um Jesus, não tanto como ser divinizado, mas como homem, cidadão, situado no tempo, filho de uma cultura-sociedade específicas, que teve uma determinada educação.....Nessa confrontação podemos descobrir aqueles aspectos que podem nos ajudar a identificar a liderança que temos dentro de nós. Escolhemos o evangelho de Marcos, principalmente os primeiros capítulos, pois o autor como os grandes mestres da música clássica, na ouverture, deixam claro qual será o tema musical de fundo. Marcos já no início nos diz quem é Jesus. O resto é para comprová-lo.
Temos que deixar claro que ninguém é líder o tempo todo e em todos os tempos. Um verdadeiro líder não cria dependência da sua pessoa e ele sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um, mesmo que a manifeste só em determinados momentos ou circunstâncias.

1. Ninguém se auto-define líder. Ser líder é algo que é reconhecido por outros. Mesmo que uma pessoa queira sair do seu anonimato para ser líder, e fizer de tudo para se exibir, a sua capacidade de liderar é reconhecida por outros e não por sua força de vontade. Em (Mc.1.6-11), no contexto do batismo, Jesus toma consciência da liderança que está dentro dele. Mais que reconhecimento que vem de Deus e, portanto, algo inquestionável, o evangelho quer ressaltar a “a assunção da liderança por parte do líder”. Ou seja, Jesus toma consciência que tem uma missão-liderança a cumprir, que é sua e que não pode transferir a outros.
2. O líder Jesus tem a capacidade de compreender/analisar o momento presente: a plenitude dos tempos, o aqui e agora! Sabe intuir suas contradições e conflitos, vislumbrar suas saídas/soluções/horizontes e ter uma palavra adequada, coerente e inédita que rompe com o discursos/prática de sempre, com “a mesmice”. Ou seja, um líder compreende quando a maré está pra’ peixe e quando não está. Tem postura, pregação e atitudes profundamente carismáticas, que mexem com as motivações mais profundas das pessoas. (Mc. 1, 14-15).

3. O líder Jesus tem capacidade de convidar, motivar, congregar e manter coesos seguidores, ou seja, pessoas que se identificam com o seu modo de ser e atuar em torno de um projeto/horizonte. Não há lideres se não houver pessoas que seguem e se espelham na atuação-liderança do líder. Isto não significa que todos devem pensar como o líder e imitá-lo que nem macacos. Significa reconhecer que o líder sabe revelar saídas, posturas, valores, horizontes antes impensáveis pelos seus seguidores. O líder explicita esses valores e os revela de forma que a pessoa os reconhece como dela, identifica-se com eles e os acolhe sem imposição e coação. (Mc.1,16-20)

4. O líder Jesus, com humildade e sabedoria sabe valorizar e dar atenção a todos, principalmente os mais fracos e fragilizados, pois eles também são chamados a exercerem sua liderança no Reino/sociedade. Jesus não é movido pelo imediatismo dos resultados, pela eficiência e nem pela manutenção da sua imagem, e sim pela vontade de construir o projeto/horizonte maior, com seus valores. Provar que tudo isso já iniciou, que está ao alcance das pessoas, que está perto, está no meio das pessoas. Não é algo que vai vir de fora ou por parte de um iluminado, de um líder, exclusivamente. O líder age como um verdadeiro educar que sabe puxar para fora os valores, os sonhos, as aspirações das pessoas e lhe dá vida, concretude. Em todas as pessoas, até nas mais socialmente invisíveis (os mikrói-pequenos-miscroscópicos) Jesus sabe motivar e mobilizá-los para somar com ele. (Mc.1, 40...2, 1-12)

5. O líder Jesus fala e age com autoridade moral e não como chefe autoritário que se impõe em função de um cargo-poder que ocupa. (Mc.1, 21-22, 27-28). Se pudéssemos fazer um paralelismo/confrontação entre a autoridade de Jesus e a exercida pelos doutores da lei podemos destacar as características típica de um líder e as de um chefe. Sintetizando poderia ser assim:
Líder............................Chefe
motiva..................................ordena
orienta.................................controla
Livre com as normas........Legalista inflexível
visionário............................imediatista
carismático.........................Autoritário, se impõe pelo cargo que detém
Incentiva e valoriza...........Ameaça e cobra
Olha o ser da pessoa .........Dá atenção aos resultados,
Cria, subverte a ordem......Executa, reproduz...mantém a ordem
Enfrenta os conflitos..........Esconde e foge dos conflitos

6. O líder Jesus diante das necessidades do projeto/horizonte maior sabe romper com práticas que criam dependência e observância escrava (antigo projeto) e enfrenta os conflitos, - inclusive os próprios e interiores (tentações) - sem fugir ou abrir mão de suas responsabilidades. (Mc.2,18-28). O líder não se apavora e nem se escandaliza perante os conflitos. Sabe que fazem parte da vida, que é impossível serem evitados. Sabe, porém, que não é adiando, ignorando que serão resolvidos, mas enfrentando-os, encarando-os. O líder não teme perder a popularidade ou o prestígio. Ele encara!

7. O líder Jesus sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um de nós mesmo que exercida de forma diferente, temporária, limitada ou circunstancial. Jesus não é ciumento de sua própria liderança, não se sente ameaçado por isso, nem é ciumento por causa dela. Ao contrário: oxalá que todos pudessem ser líderes que servem, valorizam, acolhem, motivam. Jesus reconhece a liderança-prestígio moral de Pedro, de João, João Batista, mas também da viúva do templo, da Cananéia, do centurião....Sabe reconhecer neles(as) aqueles valores, qualidades que podem torná-lo(a) um líder. Não teme a luz alheia, mas se compraz que outros reconheçam a liderança que existe no seu íntimo e que a exerça!

Um comentário:

Sandra di Naviganti disse...

Uma reflexão muito interessante para mim, que estou explorando o tema das logicas de autoridade, enfocando nas diferenças entre formas das culturas tradicionais e formas das pedagogias modernas!