sábado, 20 de dezembro de 2008

Lc.1,26-38, ou seja, a origem anti-monárquica de Jesus!

Não podia ser diferente: para seguidores apaixonados Jesus devia ter uma origem divina e...monárquica. Aliás, a maioria dos membros das famílias reais do mundo em geral se auto-atribuem origens divinas para dar mais legitimidade ao cargo que ocupam. Muito deles, inclusive, usurpando-o de outros. Além do mais, o fato de mostrar que Jesus nasceu de uma virgem – e, portanto, relacionada às práticas do templo em que sacerdotes, supostamente imaculados, podiam gerar descendentes não contaminados – complementaria a moldura divina do seu aparecimento na história.
É evidente que dentro do rigor histórico a informação de Lucas e Mateus não se sustenta. Sempre nos foi dito que o seu objetivo é meramente teológico-catequético, e de tentativa de legitimação da pessoa de Jesus com o intuito de tirá-lo de um possível anonimato ou obscura origem e pô-lo no epicentro da história da realeza judaica. Ao mesmo tempo, reflete o normal processo de divinização de Jesus que iniciou bem cedo na vida das primeiras comunidades, em que pese o fato que o Jesus histórico nunca se tenha auto-definido “filho de Deus” ou “filho de Davi”!

Nesse contexto quero levantar uma hipótese que pode ir na contra-mão das clássicas interpretações eclesiásticas e exegéticas. Lucas e Mateus, que são os dois evagelistas (excluindo os apócrifos!) que nos falam das origens de Jesus de Nazaré, queriam afirmar justamente o contrário daquilo que sempre nos ensinaram. Sempre nos foi dito que o intuito de Lucas e Mateus era o de provar que Jesus era o cumprimento das promessas antigas, dos profetas, das expectativas messiânicas do povo judeu. O messias pertenceria à cepa/dinastia de Davi. Daí a necessidade de dizer que José era da família de Davi. Daí a necessidade de Mateus em citar as gerações/descendentes de Davi até José....São artifícios utilizados inteligentemente e de forma inculturada, aparentemente, por filo-manárquicos, saudosistas do “big Israel”, o Israel expansionista, das guerras de conquista. O antigo Israel formado por 12 tribos e que à época de Jesus só contava com restos de 3 das originais, em território israelita. Mas nem tudo é o que parece ser....
Por que não ler nas narrações de Lucas e Mateus uma fina ironia anti-monárquica e anti-messiânica? È como se os dois nos dissessem: vocês israelitas esperam que o enviado/messias seja da família real porque cultivam a idéia que a salvação/redenção de Israel surja do poder real...Não seja por isso, está aí: Jesus é de origem real, legítimo descendente de Davi e, portanto, divino! Agora, olhem a prática dele que vai vir a seguir (através dos relatos evangélicos!) que comprovam que Ele nunca se identificou com a família real! Que sempre esteve ao lado de doentes, leprosos, pecadores e impuros. Longe, portanto, dos sacerdotes “não contaminados” do templo, longe da corte e palácios reais!
É, em suma, um convite aos leitores/interlocutores dos evangelistas a entrar em uma nova ótica de ler/reler a história de Israel: a redenção não vem do palácio dos que têm sangue azul, e sim daqueles que como Jesus freqüentam as favelas, os casebres, os cortiços, as casas de taipa das vítimas do palácio. Que não têm medo em se deixar contaminar e misturar. Talvez Jesus seja filho de Deus não porque nasceu de uma virgem que não “conhecia” homem, e sim porque era “tão humano, tão profundamente humano que só podia ser...Deus!” (L.B.)

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