sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A hora certa é agora: mudem de projeto de vida e credes na boa nova da realeza de Deus! (Mc. 1,14-20)

A narração evangélica hodierna apresenta os primeiros passos e escolhas estratégicas de Jesus para poder implementar o seu projeto de mobilizar Israel (ou alguns setores sociais) em vista da sua reconstrução, sobre novas bases sociais e religiosas.

Marcos informa de imediato que “Jesus pregava a boa nova” (v.14) em contraposição a João que, implicitamente, pregava a “vinda irada, punitiva e seletiva de Deus”. Abre-se, com isso, uma nova etapa na história da nação israelense. Seu início se dá de um lado com a prisão de João o batista, na Judéia, que marca o fim de uma era. E do outro, com o deslocamento físico e teológico de Jesus à Galileia, ao norte. Encerrado o capítulo-presença de João, Jesus parte para outro lugar, com outro público, outros discípulos, com outros conteúdos e metodologia. Chegou o novo para Israel! Uma página inédita está sendo escrita na história da nação! Aqui começa uma nova chance, talvez a última, para um povo que vivia dominado e sem esperança.

A justificativa que Jesus utiliza para iniciar essa nova era anunciando “a boa nova” é que o “tempo está maduro” (v.15), ou seja, que havia chegado a hora histórica certa (“quem sabe faz a hora, não espera acontecer”). Em outras palavras, na análise-entendimento de Jesus as condições sociais e históricas eram as ideais para que ela (boa nova) fosse acolhida e aceita pelas pessoas.

A seguir, Jesus explica em que consiste a boa nova: é a realeza de Deus que está próxima de nós (sentido local e não temporal!), ou seja, está ao nosso alcance e já podemos tocá-la e constatá-la fisicamente. A realeza de Deus e não é reino em si – que expressa um espaço geopolítico em que alguém governa – é o modo (novo) de governar-administrar de Deus. Nesse sentido, Deus mediante critérios e mediações próprias iria tomar em suas mãos o destino-futuro de Israel. Jesus nos dirá e provará que os “mikroi-pequenos” são a mediação no novo jeito de governar de Deus. Este é o conteúdo e a prática central da boa nova (em grego: eu-aggelion) de Jesus.

Com isso, as pessoas que ouviam e acolhiam este anúncio-proclamação deviam entrar numa nova dinâmica e ótica de vida, (“convertei-vos e credes na boa nova...”, ou seja, fé plena na proximidade da realeza de Deus), assumindo novas atitudes e fazendo novas escolhas existenciais! Em outras palavras, as pessoas deviam redirecionar (no grego: metanoia) o seu projeto de vida e readequá-lo em vista desse inédito anúncio.

Marcos apresenta como numa pintura impressionista um novo quadro, ou seja, Jesus ”passando ao longo do mar da Galiléia...” (v.16). É algo coerente com o quadro anterior (o anúncio da boa nova), pois representa plástica e historicamente o que significou para algumas pessoas acolher a boa nova, converter-se e crer no evangelho. É o chamado dos primeiros discípulos que são escolhidos, oportunamente, na Galiléia “dos gentios”, nas camadas sociais mais sensíveis às mudanças sociais e políticas, e as mais inconformadas com a dominação romana e com o monopólio religioso e jurídico sacerdotal de Jerusalém, que o exercia a partir do sistema do templo. Marcos apresenta com rápidas pinceladas um convite ao discipulado que, na realidade, deve ter exigido por parte de Jesus boa capacidade de persuasão, articulação prévia e lucidez incomum para convencer um grupo extremamente heterogêneo a aceitar o seu seguimento.

Há claros indícios de que a intenção teológica de Marcos era mostrar que os primeiros seguidores de Jesus refletiam a própria heterogeneidade e contradições que existiam em Israel, e a própria inconformidade e hostilidade de Jesus, o galileu, com as estruturas políticas e religiosas centralizadoras e dominadoras de Israel. Estrategicamente falando os discípulos escolhidos tinham a cara das pessoas a quem Jesus havia decidido “motivar e mobilizar” e representariam simbólica e efetivamente a vontade-necessidade de mudança de Israel que viria por meio de pessoas simples, consideradas impuras pelo templo, suspeitas e perigosas pelos romanos, mas centrais para o plano de Jesus.

Estes, longe de abandonar emprego, família, esposas e filhos - uma forma literária para sinalizar a nova e radical identidade-conversão - entreveram a partir do contato com Jesus, que a sua inconformidade e indignação poderiam ser canalizadas na construção de novas consciências coletivas em favor da efetivação histórica da realeza de Deus ao se tornarempescadores de homens” (v.17). Essa realeza, afinal, se manifestaria mediante mediações históricas, através de homens e mulheres apaixonados por um novo jeito de gerir a humanidade em que os príncipes e governadores “desse mundo” seriam definitivamente destronados com o ingresso do próprio Deus e de seus fiéis na história.
Notas: a partir de hoje estamos tentando adotar as novas normas ortográficas unificadas para a língua portuguesa.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009



Oggi, 21 di gennaio ricorre il 36º anniversario della scomparsa di Francesco Bombieri mio padre, dopo mesi di lotta contro un tumore che lo ha stroncato ai 45 di vita. Ho l'abitudine di affermare che noi vivi abbiamo il potere di mantenere vivi i nostri morti e il potere di mantenerli sepolti per sempre quando li interriamo nell'oblio della vita. Li manteniamo vivi e risorti nella misura in cui non li ricordiamo solo con qualche messa di suffragio che aggiunge poco al loro destino, ma nella misura in cui riproduciamo con fedeltá i loro gesti e azioni di servizio, di dedicazione, di affetto. Incorporare i loro valori e scelte di vita permette che li sentiamo vivi dentro di noi e mezzo di noi. La loro vita-esistenza riprodotta per mezzo di noi, - molto di piú che la memoria, - stá nelle nostre mani! (foto di Francesco a sinistra; a destra, la signora Gina mia mamma)

Apresento a parte final do documento aberto "Para uma nova pastoral indigenista no Maranhão" elaborado pelos Missionários Combonianos e a Associação Carlo Ubbiali e dirigido aos senhores bispos e dioceses do Maranhão, especificamente às dioceses em cuja jurisdição contam com a presença de povos indígenas....sem pretensões!


PARTE I

A igreja católica no Maranhão e o seu compromisso missionário com as comunidades indígenas. Algumas pistas pastorais.

Parece-nos entrever em muitos gestos, conversas informais, desabafos, iniciativas, debates e ensaios pastorais locais de algumas dioceses em cuja jurisdição há presença indígena, uma certa preocupação e mal-estar para com a situação das comunidades indígenas. A preocupação surge da constatação de que a presença de territórios e comunidades indígenas em suas regiões são fontes de tensões e conflitos. Ao mesmo tempo, parece-nos identificar um sentimento de insatisfação e mal-estar fruto de um desnorteamento pastoral de fundo quanto a uma possível intervenção junto a essas comunidades.

É freqüente ouvir de um lado várias manifestações sobre a urgência de a igreja marcar presença ativa junto às comunidades indígenas e, por outro lado, a constatação de que não haveria pessoas/agentes de pastoral disponíveis, e com competência, para atuar e representá-la nesse campo específico. Diante disso, a tendência eclesial geral é a de não tomar iniciativas pastorais e delegar, em alguns casos, a algumas equipes pastorais ou pessoas pertencentes a organizações de caráter nacional a tarefa/missão de planejar e realizar algo junto aos povos indígenas no Estado. Entretanto, fora algumas raras exceções, pelo fato que essas pessoas não são expressões diretas da igreja local e frutos da vontade-planejamento pastoral local, a tentação é de renunciar a possíveis formas de colaboração, de monitoramento e acompanhamento mais diretos. Dessa forma, a igreja, enquanto instituição exime-se de possíveis compromissos explícitos e diretos junto aos povos indígenas. Em outras palavras: não se trata de contratar ou aceitar eventuais missionários para trabalhar com as comunidades indígenas nas dioceses, mas a própria igreja institucional, mediante suas formas de coordenação e instâncias de decisão formular, planejar e executar formas de presença junto aos povos indígenas como expressão de sua missão evangélica irrenunciável em um determinado território. A igreja tem algo a dizer, fazer e ser com todas as camadas sociais de uma determinada região, independentemente de ter paróquias e grupos constituídos. Ela é irmã e mãe de todos os seus filhos e filhas e não somente de alguns fiéis!

Embora não caiba nesse contexto uma fundamentação teológico-pastoral da importância de possuirmos na nossa terra maranhense uma igreja indígena queremos reafirmar que é vital para a igreja católica e a sociedade do Maranhão o seu surgimento com rosto específico, e que venha a complementar e enriquecer os já diferenciados rostos eclesiais presentes na nossa igreja católica.

Temos consciência que ao falar em “igreja”, poderia fazer ressoar no imaginário de muitas pessoas a sua dimensão institucional em detrimento do seu aspecto carismático e profético. A nossa preocupação não é a de consagrar desde já possíveis instituições eclesiais indígenas com seus aparatos formais e disciplinares, - embora isso também tenha a sua importância - mas fazer emergir a presença do espírito de Jesus de Nazaré e o espírito de Pentecostes em que todos se entendem mesmo falando línguas-culturas diferentes. O espírito do Ressuscitado, que inspira, abre portas trancadas, elimina medos e inseguranças, que continua anunciando a sua boa nova a partir da “Galiléia dos gentios”, de forma significativa e diferenciada a todos os povos e culturas, às comunidades indígenas dessa terra.

Acreditamos que a missão da igreja católica nesse momento é a de operar como verdadeira educadora na fé, ou seja, a de saber extrair, valorizar, puxar para fora (ex-ducere = educar = puxar para fora) a imensa riqueza espiritual que já está presente na vida, no simbólico, na materialidade do cotidiano das comunidades indígenas.

Não se trata de forçar conversões, nem tão pouco de manipular e/ou moldar/adequar consciências e formas próprias de crer e celebrar, mas a de fazer emergir o sentir religioso-espiritual-simbólico das comunidades indígenas. Um sentir que se manifesta também em suas lutas cotidianas por direitos, por reconhecimento e respeito de sua integridade física, moral e cultural. Fazer de tudo isso um elemento enriquecedor para toda a igreja/sociedade, aceitando e compartilhando o seu modo específico de representá-lo, organizá-lo, explicitá-lo e comunicá-lo para si próprios e para os demais. Ou seja, admitindo radicalmente o seu estatuto de “autonomia eclesial”, pois a comunhão profunda das comunidades indígenas eclesiais com os demais rostos eclesiais dessa terra dar-se-á na aceitação/adesão à proposta-projeto de Jesus de Nazaré, re-interpretado e vivenciado a partir da sua história e da sua fé Nele.

Nesse sentido gostaríamos de apontar alguns passos de ordem pastoral com o intuito de contribuir na re-apropriação da herança histórico-profética dessa igreja maranhense junto aos povos indígenas e, ao mesmo tempo, reafirmar publicamente a vontade-desejo de caminhar ao seu lado no diálogo e no serviço. Não querem ser dicas e nem piedosas recomendações, mas sinalizações fraternas e incentivos para acertar o passo.

Um primeiro passo que consideramos essencial nesse momento é uma “mesa redonda sinodal” entre as dioceses em cuja jurisdição vivem povos indígenas. Embora não seja específico somente daquelas dioceses, mas de todas, acreditamos que num primeiro momento, faz-se necessário um refletir, debater, contemplar e olhar conjuntamente a nossa prática pastoral e social, e a realidade indígena das nossas regiões. À luz dos sentimentos, desabafos, preocupações, informações, sonhos de ambas as partes poderemos fazer emergir um sentir comum que sem pretensões, pressões e cobranças recíprocas nos auxiliará no estabelecimento/elaboração de metas e horizontes consensuais. Isto evitará que cada diocese ou grupos locais/nacionais atuem de forma isolada, personalista e/ou monopolista.

Acreditamos que para poder estimar, apreciar e amar alguém faz-se necessário o conhecimento e a convivência recíproca. Acreditamos que não existe, porém, uma equação direta entre conhecimento e amor. Ou seja, pode-se amar alguém ou algo sem necessariamente conhecê-lo em profundidade. No nosso caso específico não precisamos ser todos antropólogos ou etnógrafos para poder entrar em comunhão-solidariedade com os povos indígenas da nossa diocese. O que não significa desprezar o conhecimento de sua história, anseios, sonhos, etc. mas, ao contrário, manifestar concretamente claros gestos de acolhida para com as comunidades indígenas e tecer elos de colaboração recíproca a nível local. É bom não esquecer que as maiores manifestações de racismo anti-indígena ocorrem nos locais próximos das aldeias.


É localmente que como igreja temos que combater a intolerância e, do outro, apresentar formas de respeito, estima, apreço para com as comunidades indígenas.

Não se trata de produzir infraestruturas físicas, e sim, mostrar claramente que as nossas igrejas, salas, pessoas, comunidades eclesiais são espaços abertos para elas também. Se no meio de tanta intolerância e manifestações de racismo a igreja fosse sinal de acolhida para com as comunidades indígenas seria um passo extraordinário rumo à construção de um novo jeito de sermos humanidade e igreja de Jesus Cristo!

Outro ponto a ser destacado é que as dioceses, mediante a sua coordenação diocesana de pastoral ou da coordenação da pastoral indigenista, onde existir, deveriam assumir diretamente a condução, monitoramento e acompanhamento das atividades pastorais indigenistas na sua jurisdição.

Não se trata de possuir o monopólio de uma determinada presença nas comunidades indígenas, mas por se tratar de presença pastoral acreditamos ser fundamental que exista um mínimo de agir consensual. Afinal, o que está em jogo é a presença/imagem/postura, também institucional, da igreja católica em um determinado lugar. Como igreja local ela é freqüentemente chamada a se posicionar, opinar e se manifestar perante determinados conflitos e disputas. Parece-nos fundamental que ela não delegue a quem quer que seja essa sua obrigação moral e social de marcar posição de forma afirmativa. No caso que delegue que seja após um prévio conhecimento e consentimento formal. Omitir-se ou desconhecer determinadas realidades locais que envolvem as comunidades indígenas e não indígenas seria renunciar ao seu pastoreio e à sua missão evangélica.

Muitas vezes uma igreja particular encontra dificuldade quanto à sua inserção junto às comunidades indígenas: como fazer, o que fazer, quem vai fazer... É importante, antes de tudo, definir qual será o seu papel e qual a identidade que irá assumir junto às comunidades indígenas.

Diante de uma realidade nova ou pouco trabalhada é normal se sentir um tanto perdido. Principalmente quando não existem experiências acumuladas localmente nesse campo específico. É importante não se deixar vencer nem pela necessidade de querer fazer algo, seja o que for e de qualquer jeito, e nem se deixar dominar pelo medo de cometer “besteiras antropológicas”. O normal processo de aproximação fraterna, de acolhida, de respeito, de firmeza em se colocar de forma crítica ao lado das comunidades permitirá que estas ajudem a definir qual deverá ser o papel/colaboração/serviço que será solicitado à igreja. Ao mesmo tempo, esta deverá ser clara se terá condições de ir ao encontro às solicitações indígenas nas formas que lhes são exigidas. É no diálogo aberto e franco, sem pudores, de forma adulta, sem paternalismos e sentimentos de pena para com as comunidades que a igreja irá construir a sua identidade que lhe permitirá aceitação por parte das comunidades. Lembremo-nos que, em geral, as comunidades indígenas sempre querem saber o porquê de uma visita ou de uma determinada atividade/intervenção. Construir o seu próprio rosto junto a elas e obter um claro consenso e aceitação torna-se imprescindível!

PARTE II

Ao definir o seu rosto/perfil/identidade junto às comunidades indígenas e perante a sociedade em geral, a igreja tem que tomar consciência que possui ainda uma força moral – em que pese a sua fragilidade - que nenhuma outra instituição possui, seja junto às comunidades indígenas bem como perante os poderes públicos.

Não cabe dúvida que nem sempre temos consciência que a instituição igreja possui um prestígio e uma força moral que nem sempre é devidamente utilizada para fortalecer e reforçar valores, defender direitos ameaçados, incentivar intervenções positivas na ordem da justiça social. Evidentemente se de um lado isso lhe advém pelo simples fato de ser igreja, do outro é adquirido/conquistado mediante atitudes coerentes, posturas inequívocas, e exercício corajoso de estar presente na vida cotidiana das pessoas e da sociedade. Ao longo desses anos muitos acontecimentos conflituosos tomaram proporções, às vezes, incontroláveis e se chegou a impasses institucionais e práticos por falta de intermediários e interlocutores que tivessem peso e força social. Isto não significa preconizar acordos e alianças em gabinetes de palácio entre poderes públicos e bispos, mas exercer a voz profética eclesial que não pode ser veiculada simplesmente com uma carta aberta ao povo de Deus e sim, ser ouvida também nas instâncias da justiça formal.

Uma última questão entre as muitas que poderíamos colocar é que como igreja deveríamos nos relacionar com as comunidades indígenas em pé de igualdade, sem mistificação, com irreais idealizações e/ou recíprocas demonizações.

Temos consciência que isto pode parecer bastante contraditório, pois não somos iguais e não temos igual peso/força social! Entretanto, ao afirmar isso queremos simplesmente tomar consciência de que:
a) O mal e o bem – se é que se pode falar assim – não estão totalmente presentes em um lado somente. Ou seja, cada um de nós é uma mistura dos dois. Não podemos ou demonizar ou idealizar um interlocutor, um parceiro/aliado ou até um possível e suposto rival. Às vezes a falta de conhecimento da realidade do “outro” nos leva, no plano prático, o da ação política, a imaginar que é o outro aquele que está totalmente errado ou, numa idealização irreal, achar que ele sempre está plenamente correto. Contradições, interesses próprios, espertezas, estão presentes em todas as sociedades e culturas. Ignorar isso é ignorar a história e as dinâmicas da existência humana.

b) A consciência disso faz com que possamos entrar numa dinâmica de colaboração, de verdadeira aliança com o outro sem inibição e submissão. Evitamos assim, uma possível e recíproca pressão moral para que o outro sempre nos confirme em tudo o que pensamos. Essa liberdade interior e maturidade relacional é fundamental para que os dois cresçam. Nesse sentido, como igreja, não podemos nos colocar numa posição de mera subserviência a solicitações, pedidos, exigência de determinados setores indígenas, o que poderia ser fruto de uma idealização do outro ou de uma falta de liberdade interior. Isto não seria nada educativo. Ao mesmo tempo, não podemos manipular e/ou chantagear moralmente as comunidades por nos colocar numa posição de força, o que poderia manifestar desconfiança, incapacidade ou inépcia do outro.

c) Acreditamos que uma relação madura com as comunidades indígenas não nos impede de enxergar as comuns fragilidades, as recíprocas contradições e as tentativas de alguns querer se utilizar dos outros. É justamente ao tomarmos consciência de que isto faz parte das dinâmicas humanas e sociais que temos que construir uma aliança construtiva com as comunidades indígenas e, reciprocamente, nos confirmar. Lembremos que quando falamos genericamente em “comunidades indígenas” atrás dessa realidade-conceito existem modos de vida, projetos, interesses profundamente diferentes e até antagônicos. Ignorar essa multiplicidade de visões e de procedimentos sociais e políticos é pura ingenuidade e não iríamos contribuir com aquilo que essas comunidades esperam de nós. Afinal, isso não nos impede de sermos verdadeiros irmãos-irmãs delas, pois optamos por elas não porque são santas e perfeitas, mas simplesmente porque são....”comunidades indígenas” parceiras, irmãs, membros da grande família de Tupã, moradoras da mesma terra-mãe.

Conclusão
Como conclusão dessas despretensiosas reflexões gostaríamos de citar literalmente o número 530 dos documentos de Aparecida, pois sintetiza aquilo que deveria ser o compromisso-missão de uma igreja missionária na América Latina, hoje:
Como discípulos e missionários a serviço da vida, acompanhamos os povos indígenas e originários no fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa do território, na educação intercultural bilíngüe e na defesa de seus direitos. Comprometemo-nos também a criar consciência na sociedade a respeito da realidade indígena e seus valores, através dos meios de comunicação social e outros espaços de opinião. A partir dos princípios do evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos comprometemos a prosseguir na obra de evangelização dos indígenas, assim como a procurar as aprendizagens educativas e de trabalho com as transformações culturais que isso implica.” Assim seja!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A pedagogia do discipulado (Jo.1,35-42)

A narração evangélica joanina, longe de ser um relato histórico, apresenta um esquema fixo de como se dava o processo de adesão-acolhida de quem queria entrar na comunidade cristã e se tornar discípulo de Jesus. Isso é bastante visível por uma série de etapas que poderíamos definir padronizadas...

1. O candidato a discípulo (catecúmeno) de Jesus é apresentado por alguém, no caso específico, João Batista. A apresentação é feita por uma pessoa de confiança e de prestígio moral. Não se exclui, nesse contexto específico, a presença de resquícios de rivalidade histórica entre os dois grupos de seguidores, o de João e o de Jesus, mas certamente havia reciproca confiança entre eles.

2. Segue-se uma primeira identificação do mestre a ser seguido. João define o mestre Jesus como “cordeiro de Deus”, lembrança bíblica que faz referência ao servidor de Javé, disposto a se doar de forma incondicional em favor do Reino. Não é qualquer mestre, mas um que possui identidade e missão específica.

3. O candidato a discípulo coloca-se numa situação de escuta/abertura em confiar na pessoa que lhe aponta o mestre a ser seguido e, ao mesmo tempo, abertura em seguir o novo mestre que lhe foi apontado e apresentado. Historicamente, há de se supor que os discípulos de Jesus não tenham sido tão radicais em seguir Jesus no sentido que ao vê-lo, de imediato (sentido temporal) o seguiram, mas certamente houve momentos de contatos preliminares e intermitentes com os seus candidatos, seguidos, posteriormente, por razoáveis momentos de convivência...como os textos deixam a intuir.

4. Uma vez tomada a decisão de seguir o mestre o discípulo é examinado por ele quanto às suas reais intenções/motivações de entrar numa caminhada de discipulado. O que, de fato, o discípulo procura com a decisão de seguir aquele mestre.

5. No caso específico, diante de mais uma pergunta por parte dos discípulos que investigam “a moradia” do mestre, este os convida a ir com ele e a ver/comprovar. A investigação a respeito do lugar/residência não é para ser entendida de forma literal e sim, como manifestação da necessidade do candidato em conhecer o “estilo de vida”, a pedagogia/metodologia que aquele mestre irá adotar para com eles. O mestre como resposta os convida a conviver com ele. É a melhor forma. Um discípulo antes de se decidir em seguir definitivamente o seu mestre - para compreender se é isso mesmo que ele deseja - aceita partilhar com o seu mestre um “dia” de vida, ou seja, um tempo adequado para amadurecer a decisão. Não são as explicações teóricas do mestre a convencê-lo sobre a beleza/justeza de segui-lo, e sim, a possibilidade de “ver” de perto como o mestre vive e age.

6. Quando o discípulo, após a sua convivência com o mestre descobre a sua identidade e a sua missão, e adere definitivamente ao mestre, torna-se ele mesmo uma pessoa de confiança, com prestigio moral, apta a apontar para outros candidatos o mestre a ser seguido, da mesma forma que havia acontecido com ele. Reproduz-se e multiplica-se o discipulado e o seguimento de Jesus.