quinta-feira, 30 de abril de 2009

Havia uma vez o dia 1º de maio, o dia dos....trabalhadores!?

Houve uma época não tão longínqua em que se falava em ‘classe operária’.
Uma época em que a ‘classe operária’ conhecia os donos das fábricas em que ela trabalhava.
Houve uma época não tão longínqua em que a tal ‘classe operária’ não se conformava com salários aviltantes, condições desumanas, horários absurdos e formas escravagistas de trabalho e produção.
Houve uma época não tão longínqua em que os assim chamados ‘operários assalariados’ enfrentavam o patrão e seus asseclas que eles bem conheciam, paravam suas máquinas, faziam piquetes, brigavam com a polícia mandada para bater, pois a greve era declarada ‘ilegal’. Trocavam sindicalista pelego, conseguiam achar um tempo para tomar uma cerveja gelada no bar da esquina depois do trabalho e fazer poupanças para construir o seu próprio barraco....e até carro!
No 1º de maio de 2009 tudo isso parece fazer parte de uma realidade de 100 anos atrás!
Os operários hoje se chamam empregados, funcionários, contratados, dependentes. Sumiu do dicionário “sindicalês” e político-acadêmico o termo ‘classe operária’. Sumiram os... operários! As “sombras de ontem” não conhecem e jamais vão conhecer-ver quem os contratam e lhes dá em troca de seus serviços uma remuneração...ou os despedem quando acharem conveniente.
Tudo parece anônimo, mas existe: as holdings, os acionistas, os sócios majoritários, os delegados e conselhos administrativos...Eles decidem, escondem as contas, trocam, manipulam, investem, sem mostrar as caras.
As ‘sombras de ontem’ continuam produzindo mercadorias sem ter acesso a elas. Não enfrentam mais o patrão porque não sabem quem é. Não enfrentam os seus representantes porque as suas chantagens e ameaças, hoje, assustam muito mais do que as de ontem....
Não adianta apelar para o sindicato, pois ele já fechou um pacto com o executivo federal ou com um anônimo executivo da holding....ou os seus coordenadores estão participando de um dos numerosos fóruns ou seminários internacionais se hospedando em algum hotel 5 estrelas e não têm tempo para conhecer os dramas de seus filiados, defender seus salários, brigar por empregos, por condições de trabalho mais humanas. Isto soa a arqueologia! Hoje, dizem, é ‘crise sistêmica’. Não adianta brigar. Tudo está consumado. O destino já determinou que é assim, queiramos ou não!

As sobras de ontem’ não têm mais motivação e motivos para fazer greves, piquetes, passeatas... nem sequer para tomar, depois do trabalho, a cerveja gelada no bar da esquina que já não existe mais e cujo salário (salário?) já não permite. Cerveja mesmo no dia 1º de maio quando alguma central sindical (sindical?) organiza um show animado e sorteia cestas básicas para que todos esqueçam que ‘somos as sombras/sobras de ontem’!
VIVA o dia 1º de maio....O que é mesmo isso?

domingo, 12 de abril de 2009

Ressurreição: repercorrer o mesmo itinerário de Jesus para ver e sentir que a Humanidade Vive

Apesar de que a igreja em sua tradição tenha sempre condenado veementemente o materialismo, - não importa de qual tendência, - na questão da ressurreição continua mantendo uma tradição teológica profundamente “materialista”. Ou seja, segundo muitos setores da teologia da igreja católica, Jesus teria ressuscitado histórica e fisicamente, algo único e inédito na história da humanidade!
Evidentemente, não era isso que os primeiros crentes cristãos acreditavam. Eles sabiam muito bem que quem ressuscitou foi o ‘mestre e profeta’ de Nazaré, o seu testemunho, anúncio e prática, e não o seu ‘corpo físico’. Este, como todos os seres vivos conheceu o mesmo fim que é reservado a quem nasce e se desenvolve. A grande intuição dos primeiros discípulos e discípulas de Jesus foi justamente a de ter percebido que uma pessoa não morre com a sua morte, mas que podem ser conservadas de forma viva e real as suas palavras, gestos, valores, sonhos. Mais ainda: se tudo isso fosse reproduzido de forma coerente por aqueles que permaneceram vivos, então se daria o acontecimento real da....Ressurreição.
Este acontecimento afetaria diretamente quem faleceu, pois seria ‘resgatado-ressuscitado’ nos gestos de quem o amou e admirou, e os próprios viventes que ao reproduzirem os gestos, valores, relações e sentimentos de afeto para com o ‘finado’ superam as suas sensações de angústia, de morte interior, desânimos, falta de perspectivas. Ou seja, eles mesmos ‘ressuscitam’! Dá-se, portanto, uma dúplice ressurreição: a de quem morreu física e biologicamente (pois o corpo sofre o processo de putrefação natural e comum a todos os seres vivos) e nos ‘mortos vivos’, naqueles cujo corpo existe e subsiste biologicamente, mas que podem fazer a experiência de morrerem por dentro, necessitando assim, ressurgirem.
A nossa tradição teológica clássica impregnada de um exacerbado materialismo - em que pese o tradicional espiritualismo platônico - tem encarado a ressurreição como uma espécie de ‘reanimação do cadáver’ de Jesus, sem dar o devido peso a todas as numerosas sinalizações que os próprios evangelhos nos apresentam. Com efeito, todos eles concordam em afirmar que para ‘ver e sentir’ Jesus vivo e ressuscitado é percorrendo o Seu mesmo itinerário humano e espiritual. Ou seja, o caminho iniciado na Galileia dos pagãos curando os doentes, abrindo os olhos dos cegos, sarando os leprosos, dando força aos paralíticos, “ressuscitando” os mortos ambulantes- desesperados e sem motivação para viver!
Ao reproduzirmos de forma atualizada tudo isso Jesus permanece vivo na nossa vida e na vida da humanidade, e os que operamos isso, por nossa vez ressuscitamos, ou seja, encontramos motivos para RE-VIVER!
Que isso possa acontecer concretamente com as vítimas do terremoto nas cidades e povoados dos Abruzzo, Itália.

sábado, 11 de abril de 2009

Deus no velório da humanidade

Não havia nenhum discípulo aos pés da cruz de Jesus para ouvir as suas últimas palavras. A praxe romana não permitia. Daí a confirmação de alguns relatos evangélicos de que "havia somente algumas mulheres de longe...." Todavia, todos os evangelhos colocam na boca de Jesus exclamações, gritos, palavras que refletem, coerentemente, as teses e os objetivos de suas cristologias específicas.

Se é impossível recuperar historicamente as palavras reais de Jesus, é-nos possível intuir quais "interpretações" alguns grupos de seguidores de Jesus , - talvez muitos anos mais tarde, - deram à morte do mestre. Com efeito, nós lemos seja a vigorosa e consciente exclamação do "tudo está consumado" de João, bem como o grito desesperado e angustiante do "Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste" de Marcos.

Na primeira, a de João, tudo faz parte do plano de Deus. Nada surpreendente. Tudo estava previsto e esperado. Jesus é Deus e tudo Ele sabia!!!!! Manifesta uma igreja já razoavelmente estruturada, segura de si, sem dúvidas e com muitas ...certezas!
No segundo, algo se quebrou. Deus se fez de parte. Ele 'não cumpriu'... a sua parte, a de salvar o Filho! Deus não se manifestou e deixou o profeta, o HOMEM dedicado e amigo dos pobres, entregue ao seu próprio destino....manifesta o processo real, concreto e histórico dos primeiros cristãos, atordoados com o assassinato do seu mestre, carregados de dúvidas, desanimados perante suas próprias contradições e medos. A interpretação de Marcos quer aproximar Jesus/homem de tantos humanos que vivem as suas mesmas situações.
Se fôssemos recuperar, embora parcialmente, as atitudes, as palavras, as expectativas do "Jesus histórico" - aquele não interpretado e idolatrado pelos discípulos! - não cabe dúvida que o profeta itinerante, o galileu, estava aguardando com uma fé "intensa" - a manifestação histórica gloriosa e poderosa de Deus, e do seu reinado. Daí a decisão de ir a Jerusalém. Acolá o profeta Ieshuá ficou esperando o momento único/inédito/surprendente da revelação definitiva. Isso não ocorreu. Ao contrário, ele é preso e sumariamente executado. Talvez o seu grupo esperasse algo parecido, se não diretamente de Deus, com certeza de Jesus. Frustração completa: o mestre é vergonhosamente preso e humilhado!
O que parece ser uma mera reflexão histórica, a posteriori, os relatos da morte de jesus tornam-se necessariamente uma reflexão existencial sobre a dinâmica da vida. Não é só de Jesus que está se falando, e sim do ser humano. Homens e mulheres que alimentam sonhos, fé cega num Deus que eles mesmos o proclama fiel, constroem e acariciam projetos de vida, se dedicam gratuitamente para que a vida possa vingar e, ao contrário do esperado, colhem decepção, dispersão, abandono, solidão, traição, tristeza sem fim.
O silêncio de Deus parece falar mais alto, mas na realidade é o nosso silêncio e a nossa incapacidade de ouvir e ver. A Sua ausência incomoda, angustia, mas na realidade são as nossas certezas, os nossos dogmas, os nossos cultos formais desligados dos dramas dos...humanos que nos impedem de senti-lo presente! Deus, porém, se faz presente também na morte: não fala, mas está aí no nosso velório. No velório da humanidade que duvida da sua própria capacidade de renascer...ressuscitar!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sexta feira santa: a "morte política" do profeta galileu

Reproponho a postagem integral publicada no ano passado.
Frequentemente, ao tentar compreender o porquê da morte de Jesus apela-se a diferentes e contraditórias argumentações. Elas refletem o lugar social e cultural (interesses, projetos de vida, informações adquiridas, formação religiosa, etc.) de quem as apresenta: Jesus teria morrido pelos nossos pecados; Ele se ofereceu em sacrifício para nos salvar; Deus mesmo quis que o seu Filho morresse na cruz para expiar os pecados; morreu porque incomodou os grandes; morreu porque blasfemou e expulsou demônios.....Tudo isso reflete a formação religiosa recebida fruto de uma teologia sacrifical, expiatória....e pouco evangélica!

Dificilmente, portanto, essas explicações refletem a procura da "verdade histórica" do que de fato ocorreu nos dias que precederam a sexta feira, e o dia mesmo em que teria ocorrido a sentença fatal. Os relatos evangélicos utilizam em sua grande maioria textos teológicos. Os relatos não são reportagens e sim, aulas de teologia catequética. Isto, porém, não exclui que se possam encontrar elementos e informações históricas confiáveis para compreender o que de fato ocorreu...Outros elementos podem e devem ser buscados e deduzidos a partir de dados, informações históricas e estudos realizados por inúmeras pessoas sobre o tratamento reservado aos "presos políticos" da época de Jesus.

Falamos em "presos políticos" porque se aceitamos como verdadeiro o dado - que parece inconteste - de que Jesus morreu numa "cruz", não cabe dúvida, então, que Ele foi sentenciado pelos romanos e executado por eles. Fica, assim, descartada a responsabilidade material última da morte de Jesus pelo sinédrio (judeus) cuja pena, no caso, seria o apedrejamento!Bastaria isso para não continuar com essas polêmicas e aversão mesquinha de caráter anti-semita responsabilizando os judeus pela morte de Jesus. Morte de cruz - com proibição de retirada dos corpos que deviam ser comidos pelos abutres - significa lição exemplar para aqueles que se revoltam, ameaçam, boicotam, e agem contra a estabilidade, a segurança administrativa dos Romanos. Não nos interessa aqui saber qual foi o grau de participação efetiva do sinédrio, na decisão de sentenciar à morte Jesus. Só nos cabe constatar que Jesus foi condenado pelos romanos e por eles executado e, portanto, é uma morte de caráter político reservada àqueles que atentavam à estabilidade e à segurança nacional.

É difícil historicamente aceitar que o Império tenha se sentido ameaçado por um profeta itinerante cuja fama e prestígio se limitavam a umas poucas aldeias do norte de Israel. É difícil compreender historicamente como o império romano tenha se sentido fragilizado perante "possíveis incitações ao não pagamento de impostos", ou porque Jesus teria "bagunçado a entrada do templo, expulsando, numa ação planejada, vendedores e cambistas", algo específico dos judeus e que não interferia na estabilidade da administração..... É difícil, enfim, aceitar historicamente que Jesus tenha sido condenado porque proclamava um Reino de Deus em oposição ao "Reino de César". À época havia dezenas de pregadores populares afirmando a mesma coisa – sem falar nas expectativas populares - e não por isso se constituíam em ameaças políticas! Então, qual poderá ter sido "o motivo formal da condenação"?

Longe de se constituir numa explicação definitiva, avançamos a hipótese de que Jesus foi sentenciado e morto por "medida preventiva". Ou seja, antes que Ele apronte, que se organize, amplie o leque de ação e consiga mais adeptos, é bom eliminá-lo logo e cortar na raiz uma possível futura ameaça. Uma espécie de "guerra preventiva" à moda Bush! Não se encontram, com efeitos, motivos jurídicos, políticos, históricos que justifiquem a condenação à morte de Jesus "pela cruz". Entretanto, os romanos tinham que possuir um pretexto formal e na sua intolerância para com qualquer tipo de dissidência, associada à sua neurose obsessiva de ver inimigos por todo lado, devem ter achado uma razão de estado aceitável ao retirar do seu meio alguém que poderia ameaçar a sua presença político-administrativa na região... mesmo que esse ‘elemento’ não passasse de um "curandeiro e pregador itinerante acompanhado por um punhado de discípulos iletrados..."

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Quinta feira santa: uma missa sem padres e sem templo, mas numa casa, com sacerdotes e sacerdotisas

Reproponho parcialmente as reflexões sobre a quinta feira santa que havia postado um ano atrás. Acredito que continuem válidas!
É comum achar que na quinta feira santa fazemos memória do momento em que Jesus teria instituído o sacramento da "ordem", ou seja, o sacerdócio ministerial. Entretanto, não há algum dado que comprove ou aponte para isso! O que temos, desde um ponto de vista histórico, é a convocação de Jesus para que se celebre a páscoa. Uma páscoa que para Ele já havia adquirido um sabor todo especial...Um banquete pascal não no templo, mas numa casa particular. Não através de um rito formal, solene, mas uma celebração "caseira", familiar.
Sabemos que, por ser uma celebração pascal, todos os membros da grande família extensa eram convocados. Devemos supor, portanto, com razoável segurança, que não havia só os "doze" (mais simbólico que real) e sim, além deles, todos os seus familiares (esposas, filhos e pais) ou, pelo menos, os familiares dos que viviam em Jerusalém e redondezas...representando simbolicamente toda a humanidade.
Sabemos também, que o próprio rito da páscoa hebraica exigia, por exemplo, a presença de crianças que, com suas perguntas pré-estabelecidas, pediam explicações ao 'senhor da festa' , o ancião, sobre os vários símbolos utilizados na festa. E mais: se isso é verdadeiro, temos que deduzir que Jesus ao pronunciar aquelas palavras sobre o pão e o vinho as estava dirigindo a todos os presentes dando-lhes o poder-missão de reproduzir o gesto e as palavras. Por quê, então, não se faz nenhuma menção a isso nos evangelhos e só informam a presença de '12' somente?Avançamos a hipótese de que a versão da "última ceia" tenha sido uma "apropriação" da igreja cristã incipiente que manifestava os seus primeiros "surtos hierárquicos e...exclusivistas".....Mesmo assim, ela não pôde deixar de colocar na versão da última ceia o seu caráter subversivo, a saber:

1. Todo banquete-celebração eucarística se dá dentro de um contexto social, econômico e político bem definido. Não é algo asséptico, a - histórico, que flutua no ar. O banquete de Jesus se deu num clima de conluio, armação, de tensão e conflito: eliminar o profeta Galileu! Hoje a grande maioria das nossas ‘missas’ são simplesmente... ”missas”, em lugar de serem banquetes contextualizados que trazem para “a mesa dos convidados” dramas sociais e pessoais, conflitos de toda ordem, sonhos de mudança e transformação. São ritos frios que não empolgam e não comprometem ninguém. E quando são ‘ritos quentes’ alegres, animados, criativos, não deixam de serem, muitas vezes, ritos separados do cotidiano.

2. Na última ceia aprendemos que não é mais o templo o lugar da celebração da vida, da libertação, da fraternidade, da memória do fim da escravidão, e sim a casa. No templo não se pode mais "fazer memória". Ele se tornou um lugar ‘profanado’ pelo clientelismo e pela corrupção e, portanto, inadequado para o culto verdadeiro. A casa, na intimidade familiar, nas relações de mútua proteção, afeto, solidariedade, defesa da integridade do ‘outro’ e na partilha radical é o espaço apropriado onde acontece a verdadeira celebração da vida. O verdadeiro culto!

3. A ceia do Senhor não é, portanto, memória de "sacrifícios e imolações" e sim, momento de "comum-união, fraternidade, divisão de bens, fim de toda exclusão e de toda norma de pureza ou impureza....". Não uma celebração sacrifical em que supostamente se faz memória do ‘sacrifício-oblação’ de Jesus para acalmar uma suposta ira de um Deus sedento de sangue, e sim a realização histórica da profecia-utopia do grande banquete “preparado por Deus sobre um alto monte onde são servidas carnes cevadas, vinhos seletos, onde todos podem aceder sem precisar de dinheiro....” É o símbolo da nova fraternidade universal, sem desigualdades e exclusões.

4. Fazer memória da Ceia do Senhor é a assunção, enfim, do compromisso de arcar com as consequências da partilha do pão, ou seja, servir a humanidade faminta e denunciando os abastados que seguram o pão para si, e negam a vida para os famintos e necessitados! Reproduzir historicamente tudo isso, fazendo memória do testemunho de Jesus de Nazaré, não é missão de "doze" pessoas somente, mas como o próprio número simboliza (12), é missão da "totalidade" dos homens e mulheres que como "reino de sacerdotes e sacerdotisas" se colocam a serviço da comunhão e da vida... FAZENDO A EUCARISTIA ACONTECER!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A semana santa e os 'cuidados especiais' de ....antanho!

A semana santa para quem viveu no interior até alguns anos atrás tinha um sabor totalmente diferente do atual. A semana santa era vivida entre um misto de medo e respeito. De um lado a crença/memória de um acontecimento (morte de Jesus) carregado de gestos e imagens ligadas ao sofrimento, à dor, à compaixão e, portanto, - digno de respeito e veneração - e, do outro, a necessidade de obedecer a um conjunto de cuidados que garantissem esse ‘respeito’ ao clima místico.
O descumprimento desses cuidados provocava, supostamente, de um lado algum tipo de prejuízo ao ‘desrespeitado’ (Jesus crucificado) e do outro, penalidades/punições morais ao ‘infrator desobediente’. Em que pesem os diferentes cuidados que deviam serem tomados nas diferentes etapas (Quaresma, semana santa, sexta feira santa...) e em diferentes regiões do Maranhão-Nordeste, havia uma unidade intencional de fundo: manter um determinado controle social fortalecendo alguns aspectos/valores da vida social/comunitária e/ou familiar, utilizando positivamente o acontecimento da morte de Jesus. Pode ser que ‘os cuidados especiais’ que eram assumidos na semana santa soem um tanto hilários para a nossa sensibilidade atual, urbanizada e laicizada, mas tinham, de alguma forma, a função de manter uma determinada unidade social visando o restabelecimento permanente de hierarquias intra-familiares e a reconstituição de solidariedades ameaçadas. Lá vamos nós, lembrando alguns desses cuidados:
1. Não se podia ao longo da quaresma ouvir músicas e rádios, pois Jesus podia ter ‘dor de cabeça’
2. Não se podia brincar e gritar, e nem falar palavrões, principalmente na sexta feira santa. Nesse dia não se jogava futebol com medo que, ao bater na bola, se podia ‘bater na cabeça’ de Jesus.
3. As mulheres de nome Maria, na sexta feira santa, não podiam pentear o cabelo.
4. Na sexta feira santa não se podia comer frutas.
5. Na sexta feira santa as crianças deviam tomar a bênção ajoelhadas.
6. Não se podia rachar lenha, pois era como que ferir o próprio Jesus.
7. Guardava-se o tição da sexta feira santa para outros dias, pois ele era abençoado.
8. Na sexta feira santa havia proibição de manter relações sexuais sob pena de ter graves prejuízos para os dois. Em algumas regiões a abstinência devia ser guardada ao longo de toda a quaresma.
9. A comida, já a partir da quinta feira santa, principalmente bolos de tapioca, devia ser doada/trocada com outras famílias.
10. Na sexta feira santa era ’permitido/tolerado’ se apossar de galinhas e frangos alheios para serem comidos comunitariamente, por exemplo, depois da meia noite, já no sábado santo.
11. Na sexta feira santa ao varrer a casa era preciso guardar o lixo atrás da porta.
12. Sempre na sexta feira santa os padrinhos tinham que acolher em suas casas todos os seus afilhados que eram encaminhados pelos compadres para lá comerem e conviverem.
13. Na semana santa os conjuges tinham a obrigação moral de estar juntos sob o mesmo teto.
Estes e mais outros cuidados eram mais fortemente observados lá onde não havia a possibilidade de celebrar de forma clássica a semana santa (lava-pés, adoração da cruz, missa de aleluia, etc.) É como se fosse uma ‘espiritualidade social’ nascida e desenvolvida à margem da religião oficial. Na ausência do padre e dos ritos clássicos da semana santa num determinado lugar, o povo do interior reformulava e recriava ritos e crenças, e os adaptava às suas exigências de convivência social.
A progressiva ‘quebra’ desses cuidados especiais, ao não acarretarem nenhum prejuízo físico ou moral para as pessoas, contribuiu para que inúmeros outros tabus sociais, sexuais, religiosos, etc. fossem ‘quebrados’. A inicial ‘ unidade intencional’ de fundo foi se esvaindo progressivamente afetando a própria ‘estrutura ética’ social e pessoal. Se de um lado o rompimento de tabus liberta de certas formas consideradas criadoras de dependência e de aceitação passiva de uma determinada ordem social, do outro lado escancaram definitivamente as portas da flexibilidade ética. Tudo é permitido, pois nada pega! Não quero fazer moralismos, e sim tentar compreender o fenômeno. Esta é só uma simples explicação, entre as muitas possíveis.

sábado, 4 de abril de 2009

Semana santa: crucificados e crucificadores

Inicia-se oficialmente a semana santa. Santa por fazer memória do aprisionamento, tortura, julgamento, condenação, crucificação, morte-assassinato e ressurreição de Jesus, o ungido de Deus. Santa por se fazer memória de acontecimentos que teriam garantido, graças ao ‘sacrifício de Jesus’ a ‘salvação da humanidade’. Em geral, dá-se ênfase somente à morte e à ressurreição, deixando á margem as etapas preliminares, anteriores, vivenciadas por Jesus e que são essenciais para entendermos o seu desfecho.
Falar genericamente em paixão-morte e ressurreição dá a idéia de que tudo se deu dentro de uma naturalidade de fundo. De algo próprio ao ser humano, algo inevitável, ou seja, morrer e ser lembrado, posteriormente. Esquecemo-nos, frequentemente, que fazer memória da ‘semana santa’ significa resgatar arbitrariedades judiciais, abusos jurídicos, violação à incolumidade-integridade física das pessoas (tortura psicológica e física), armações e conluios entre poder judiciário-sinédrio e executivo- tetrarca/governador, execução da pena, ou seja, assassinato político, e assim por diante.
A partir de resquícios evidentes de um certo devocionismo sacrifical que herdamos da nossa formação religiosa e teológica, a nossa atenção se fixa, geralmente, nas imagens/cenas de um Jesus sofredor, paciente qual cordeiro, e que se sacrifica de forma livre e voluntária. Identificamo-nos e comovemo-nos com Maria e as mulheres que choram o sofrimento de Jesus, e com o Cireneu que ajuda. Indignamo-nos, um pouco menos, com a traição de Pedro, com o cinismo dos sumos sacerdotes e dos soldados romanos. Esquecemo-nos dos crucificadores de ontem e de hoje. Isso seria sinal de rancor pouco cristão, algo detestável para fins de edificação cristã. Pensamos e agimos seletivamente. Fomos educados a não alimentar sentimentos de indignação, raiva, irritação com quantos nos machucam, nos difamam, nos torturam e matam. Segundo isso somos convidados a remover esses sentimentos insanos e colocá-los no canto mais profundo da nossa consciência....
Proponho, portanto, nesta semana santa que:

1. A nossa atenção se volte também para com aquelas pessoas, instituições, grupos que hoje em dia manipulam leis, pessoas, cooptam consciências, se deixam corromper com o objetivo de se livrar de pessoas incômodas como fez o sinédrio e seus asseclas. Ou seja, olhar, encarar e dar o nome aos crucificadores responsáveis por torturas, humilhações, ilícitos e arbitrariedades de todo tipo.

2. Jesus não caminhou rumo à morte de forma livre, serena, altiva. Não se ofereceu como sacrifício nem pela expiação dos pecados e nem pela salvação da humanidade, nem Deus lhe pediu tal gesto, pois Ele é o Deus da vida e não da morte. A cruz em si nunca é sinal de salvação. É o amor até à morte que salva! Jesus foi forçado por meio de coação armada a assumir uma cruz que não queria carregar. Ficou perturbado ao constatar que estava sendo assassinado e crucificado como resultado de uma arbitrariedade jurídica e política. Jesus ficou sim, perplexo e desnorteado, ao sentir – e não compreender - ‘o silêncio’ de Deus!...tal como pode acontecer conosco no dia-a-dia....

3. Não tenhamos medo de fazer aflorar e sentir emoções e sentimentos de irritação, raiva e indignação ao constatarmos a humilhação, condenação e morte-assassinato do ‘justo’. Não nos sintamos culpados ao sentir tais sentimentos. Afinal eles fazem parte do nosso ‘sermos humanos’, e manifestam que possuímos uma ‘estrutura ética’ interior a ser zelada. Isto não significa, entretanto, que tenhamos que revidar adotando as mesmas formas dos crucificadores que condenamos.

4. Tenhamos consciência que o que celebramos e vivenciamos não é dramatização devocional e arqueologia religiosa, confinada a um passado remoto cujo único protagonista é ‘o filho de Deus’, mas entender que a ‘paixão Dele é a paixão do mundo, a nossa paixão’, algo real, atual e profundamente existencial.
Boa semana santa!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O calvário de Karapiru: 10 anos de solidão. A paixão dos Awá-Guajá.


Corria o ano 1979. No município de Porto Franco, no Estado do Maranhão, nordeste do Brasil, uma família de índios Awá-Guajá é perseguida impiedosamente por um grupo de empregados de fazendeiros da região. Karapiru, a esposa, um filho e uma filha, de 5 e 8 anos, respectivamente, procuram fugir entre a baixa e rala vegetação, enquanto os tiros de espingarda de seus perseguidores se tornam sempre mais ensurdecedores. Improvisamente, o inesperado: a esposa de Karapiru é atingida em cheio, cai e agoniza. As crianças assustadas, chorando, se jogam sobre o corpo sem vida da mãe. Karapiru é tentado em voltar para socorrer. Percebe a proximidade e a determinação dos perseguidores que estão à espreita prontos para alvejá-lo. Não tem como voltar, não pode voltar, só correr, correr....para longe!

Município de Feira de Santana, Bahia, 1989. Um grupo de lavradores de uma comunidade rural vinha observando desde algum tempo que estavam desaparecendo vários animais na região. Muitos deles eram encontrados esquartejados, mortos com flechas. A perplexidade e o espanto tomam de conta da população local. O mistério é desfeito quando, certo dia, aparece na pequena aldeia um homem totalmente nu, segurando um enorme arco e um feixe de flechas. É um índio, e está com fome. Não há medo em seus olhos. De início as pessoas ficam apavoradas, mas ao perceber a sua serenidade lhe oferecem comida e abrigo. Não conseguem se comunicar. Ele fala uma língua estranha. O índio passa três meses com eles na aldeia, vivendo com a população local. Um dia, porém, chega um carro do governo federal com funcionários da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) chamados por membros da aldeia. Conseguem convencer o índio a ir junto com eles até Brasília. Na sede da autarquia federal, lingüistas e antropólogos se revezam para descobrir a identidade daquele índio. Levantam-se várias hipóteses. Convocam índios de várias regiões para falar com o recém contatado, mas ninguém consegue se comunicar. Só percebem que fala uma língua Tupi. Um funcionário do órgão federal que havia trabalhado alguns anos no Maranhão achou que poderia ser um índio Awá-Guajá. Imediatamente convocam um jovem Awá do Maranhão. Este se apresenta, e começa a falar com o índio. A conversa flui de ambas as partes. A satisfação é visível no semblante dos funcionários da FUNAI. Improvisamente, o jovem levanta a camiseta daquele índio. Marcas antigas de chumbo aparecem na pele morena e áspera de suas costas. O jovem se vira para os presentes e com os olhos arregalados exclama: “É meu pai!”
Karapiru, depois de dez anos de solidão, trocando o dia pela noite, a 1.300 quilômetros de distância de sua terra original, havia encontrado parte da família que achava ter perdido definitivamente. Benvindo, o nome que os funcionários haviam dado àquele menino de 8 anos encontrado com a irmã sobre o corpo frio da mãe morta, havia reencontrado o pai que achava morto.

Aldeia Tiracambu, terra indígena Caru, Maranhão, 2009. Karapiru mora com a jovem esposa e uma filha de 13 anos. A serenidade e a calma, ainda presente no porte e nos gestos de Karapiru deixa lugar a uma tristeza profunda no seu olhar. Karapiru está com medo de reviver aqueles fatos dramáticos de 30 anos atrás. Recentemente, com alguns índios descobriu que não muito longe da aldeia, na mata da sua terra, já existem estradas transitáveis construídas por madeireiros. Viu sinais de destruição e invasão por toda a parte. Karapiru e seus parentes temem que a qualquer hora, grupos de madeireiros armados invadam a aldeia e aconteça o pior...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

TJ do MAranhão aposenta compulsoriamente o Juiz de Santa Quitéria. O caso Jorge Moreno: um modelo de justiça no banco dos réus

Chegou, finalmente, após três anos de espera carregada de angústia e ânsia o que já estava escrito: a sentença do TJ que condena o juiz Jorge Moreno à aposentadoria compulsória. Ainda faltam os votos de alguns desembargadores a serem manifestados, mas no dia 1 de abril, dia da mentira e aniversário da “revolução golpista militar de ‘64”, 13 dos 24 desembargadores (número legal para a condenação) aposentaram definitivamente um juiz incômodo de quarenta e poucos anos. Uma sentença que deve ser entendida e compreendida dentro da atual conjuntura social e política do Estado, e dentro de um conjunto de sinalizações e mudanças de ordem estrutural da Justiça no Estado.
Para quem não acompanha as vicissitudes do TJ do MA - resgatadas e expostas publicamente pela mídia nacional recentemente - tem dificuldade de compreender o alcance da sentença emitida no dia 1 de abril pelo ‘egrégio’ Tribunal de Justiça contra o juiz de direito Jorge Moreno. O TJ, com efeito, chega a emitir sua sentença contra o juiz Moreno justamente no ápice de uma extensa lista de denúncias contra ele próprio. Denúncias estas, que vão desde a venda de decisões e desvios de dinheiro público, a abusos de diárias indevidas a juízes e desembargadores, entre outras. Baste a recente publicação do relatório contendo o resultado da investigação do CNJ no TJ do Maranhão para colocar sob suspeição a mais alta magistratura do Estado. Uma lista de crimes e ilícitos que desabona e desmoraliza por completo o modus operandi da magistratura que, frequentemente, se arvora a modelo de imparcialidade e de conduta ilibada. No caso do julgamento do Moreno o TJ não fez questão de repassar uma outra imagem: a maioria dos integrantes do TJ fez juz à sua fama!
O interessante a ser observado é que estas denúncias são feitas de um lado pela OAB/MA e pela Associação dos Magistrados do Estado, e do outro por membros internos do próprio TJ, ou seja, por desembargadores. Numa análise superficial e imediata, parece ser uma guerra fratricida, intestina, entre setores da magistratura, advogados, procuradores e afins. Afinal, seria uma mera disputa por controle e poder interno. Algo autofágico, sem maiores vínculos com a sociedade como um todo ou, inclusive, à revelia dela. Ou seja, mecanismos de arranjos internos à magistratura que deixa de escanteio a própria sociedade, como se desta não proviesse o seu ‘poder’, como reza a Constituição Federal. Numa análise mais aprimorada e aprofundada, entretanto, pode-se vislumbrar com uma certa clareza que o TJ do Maranhão reproduz dentro dele, de forma nítida, as mesmas correlações de forças-interesses que se dão nas representações político-partidárias formais do Estado.
Em outras palavras, os desembargadores – escolhidos e nomeados pelos chefes do executivo estadual de turno, o que não confere nenhuma independência entre os 3 poderes – parecem ser o braço justiceiro legítimo das representações político-partidárias que disputam na arena social novas formas de controle, de poder e supremacia. Em que pese a reafirmação do princípio da imparcialidade, igualdade e impessoalidade do julgador, o TJ exerce simbólica e efetivamente um poder direcionado, pessoal, parcial, político e seletivo. Talvez, para alguns, isto não represente nenhuma novidade, e sim, algo óbvio. Se assim for, está aceita de forma natural uma tragédia social e ética, a saber, a consagração do princípio-prática de que não é o direito consolidado em lei ou o emergente – fruto das mudanças e exigências legítimas da sociedade - que garante a justiça ‘cega’, igual para todos, e impessoal’. Seriam, ao contrário, os interesses pessoais, de grupos e de facções da magistratura que têm a prerrogativa e o poder de fazer com que um dos dois pratos da ‘balança’ pese mais de um lado do que do outro.

O caso Jorge Moreno: um caso emblemático.

O caso Jorge Moreno se torna emblemático por três razões. A primeira razão advém do fato de que o juiz Moreno foi acusado por um deputado estadual, - um político que vive ‘da política’ e não ‘para a política’ - de ele ter ‘exercido política partidária’ na Comarca de Santa Quitéria, o que, naturalmente, está vigorosamente proibido a um magistrado de ilibada virtude. A denúncia em momento algum foi comprovada cabalmente. Não somente pelo fato de o juiz não possuir ficha partidária, mas também por inexistir qualquer referência direta ou indireta a partidos e/ou políticos. No entendimento de vários desembargadores, entretanto, o juiz Moreno teria, mesmo sem referências partidárias, extrapolado suas funções, indo além do ‘limite’ daquilo que poderia ser considerada uma ‘atividade complementar do juiz’, ou seja, o engajamento social. Naturalmente, não se fez nenhuma menção quais seriam esses ‘limites’ e para quem valem. Tudo depende do poder hermenêutico subjetivo do julgador, ou seja, os desembargadores!
A denúncia do deputado Max Barros, acolhida de imediato pelo TJ, mas mantendo o Juiz afastado por mais de 3 anos de suas funções, escancara a forma hipócrita o modo de proceder desse poder. Revela de um lado a sua ojeriza a engajamentos sociais ativos e ostensivos por parte de membros da magistratura e, do outro, denuncia o seu comportamento punitivo para com ‘aqueles pares’ que expõem publicamente as contradições existentes na corporação da magistratura. Além disso, antes mesmos da instauração formal do processo e da sentença definitiva, o juiz Moreno foi sumária e imediatamente afastado de suas funções, o que não ocorre, por exemplo, com os políticos partidários quando denunciados por ‘abuso econômico’! O TJ deixa a entender, indiretamente, que se o juiz tivesse agido com mais discrição, na surdina, sem estrelismos e sem expor publicamente as mazelas da magistratura podia ter sido perdoado. Todavia, isto revela a concepção majoritária, dentro do TJ, do papel de um juiz num determinado contexto social (Comarca).
Isto revela na prática que o que está em jogo são duas concepções de exercício da justiça: uma, supostamente cega e imparcial – o que de fato não existe – e, a outra, que enxerga as carências, as fragilidades as necessidades, os contextos dos atores sociais envolvidos. Ou seja, uma justiça que não ‘dá a cada um o seu’, mas uma justiça que dá mais a quem precisa mais. Uma justiça que procura repor o equilíbrio que foi rompido por abusos, negligências, desmandos praticados por determinados atores sociais em detrimento de outros. O Juiz, para os setores majoritários do TJ deixa de ser, portanto, um ‘agente social’, um cidadão que participa das contradições sociais no lugar onde vive e trabalha, e é confinado no Fórum, atrás de uma mesa, ou caminhando pelas ruas da sua comarca de ‘para-olhos’, nunca olhando de lado, com receio de sorrir e cumprimentar alguns e não todos! Segundo essa visão o juiz de verdade é um ‘agente estatal’, funcionário público a serviço da burocracia processual estatal e não da totalidade das necessidades de uma população.
Numa realidade como a de Santa Quitéria onde milhares de pessoas não possuíam registro civil, onde muitas comunidades não tinham energia elétrica, estradas e escolas, - direitos esses consagrados na Constituição Federal, - onde os prefeitos desviam impunemente dinheiro público, a atitude de um juiz, para alguns setores do TJ, deveria ser a de permanecer imóvel no ‘seu Fórum’, ‘cego’ e ignorando o que acontecia debaixo de seus olhos ‘vendados’. Ou, em caso de ‘ exercício de atividade complementar’, ou seja, um engajamento social para melhorar as condições de vida de uma determinada população, deveria ser feito dentro de limites e posturas que não reproduzam os típicos comportamentos dos políticos profissionais. Esquece-se, porém, que os políticos profissionais, em sua maioria, agem corrompendo e fraudando, cooptando pessoas e desviando dinheiro público, atos que o juiz Moreno nunca reproduziu.
A segunda razão nos é ditada pelo número de desembargadores que votaram a favor ou contra o relatório lido no Plenário do TJ nos dias 18 de março e 1º de abril, e pela sua respectiva identidade. Observa-se que cada um dos dois blocos, os que votaram a favor e os que votaram contra o juiz possuem, substancialmente, afinidades de concepção e solidariedade grupal entre si. Os autos do processo, na realidade, se tornam um mero detalhe, um pretexto formal, uma ‘pirotecnia ‘jurídica’ para afirmar, na realidade, visões e interesses próprios ou grupais. Ou melhor dito, para mostrar simbolicamente supremacia política de um bloco sobre o outro bloco ‘adversário’. Não se quer com isso afirmar de forma categórica que o TJ do Maranhão manifesta estruturalmente duas tendências claras e distintas entre si. Com efeito, em que pesem os conflitos e as disputas internas evidentes, e a depender da aposta em jogo, sabe-se que no TJ, afinal, é sempre o ‘espírito de corpo’ que prevalece. O que queremos salientar é simplesmente o fato de que, no caso específico do juiz Moreno, as diferenciações de postura e visão, e as contradições internas do TJ, emergiram com maior nitidez.
Uma terceira razão que torna paradigmático o julgamento do juiz Moreno no TJ é o fato que o seu processo coincide temporal e simbolicamente’ com outro julgamento, o do governador Jackson Lago no TSE. Pode parecer mera coincidência, algo aleatório e não planejado, mas não deixa de possuir uma carga simbólica relevante. Enquanto que em São Luis a magistratura acolhia a denúncia de um político e julgava por ‘envolvimento na política partidária’ um de ‘seus pares’, em Brasília, a alta magistratura ‘eleitoral’, o TSE, julgava o chefe do executivo estadual maranhense pelo crime de ‘abuso político e captação ilícita de votos’! Ao passo que em Brasília o TSE condenava por esmagadora maioria o governador e lhe permitia de permanecer governando e torrando até o último dia as ‘reservas orçamentárias’ dos cofres públicos, em São Luis o TJ ‘apolítico e impessoal’ afastava de imediato de sua comarca e condenava o juiz Moreno a se retirar definitivamente da magistratura.
O juiz foi condenado por ‘excesso de participação política’ ao beneficiar populações da sua comarca, já o outro (governador) foi condenado por ‘abuso político’, por ter se beneficiado pessoal ou grupalmente de algo que devia ser de todos! Tudo isso não deixa de sinalizar de que a magistratura parece ter em qualquer circunstância, a última palavra. Ou, parafraseando os antigos romanos ”Tj locuta, causa finita!”, ou seja, “O TJ falou, tudo acabou”! Não é exagero afirmar que o TJ vem sinalizando algo que parece caracterizar a justiça no País como um todo, a saber, de que o Judiciário no País está adquirindo um poder desmedido, assumindo e abocanhando funções e prerrogativas próprias do legislativo.
A justiça, atualmente, parece se descolar definitivamente da sociedade, e do povo de quem provém a sua legitimidade e legalidade. O caso do julgamento do STF da terra indígenas Raposa Serra do Sol é uma clara prova disso!
Votaram pela aposentadoria do Juiz Jorge Moreno: Mário Lima Reis, Jaime Ferreira, Stélio Muniz, José Joaquim, Lourival Serejo, Anildes Cruz, Jamil Gedeon, Cleonice Freire, Cleones Cunha, Nelma Sarney, Maria dos Remédios Buna, José Bernardo Rodrigues e Raimundo Nonato de Souza. Pelo arquivamento votaram: Paulo Velten, Antônio Bayma, Raimunda Bezerra, Raimundo Melo e Benedito Belo. Alegou suspeição o juiz Jorge Rachid