segunda-feira, 29 de junho de 2009

Os sequestros indígenas: a linguagem simbólica do fingimento político consensual

Faz quase uma semana que alguns funcionários da SEDUC (Secretaria de Educação do Estado do Maranhão) se encontram sequestrados por índios Guajajara, no município de Arame, que exigem melhorias nas estruturas de ensino da região do Zutiwa, na Terra indígena Araribóia.
Há sempre algo de hilário e revoltante nessa prática de sequestro indígena envolvendo, geralmente, funcionários do Estado. Hilário porque sabe-se que os seqüestrados na realidade não são seqüestrados, mas simplesmente forçados a conviver com a comunidade indígena durante alguns dias até se estabelecer um diálogo formal com os responsáveis das partes. Nessas ocasiões aos seqüestrados não lhes falta comida, café, brincadeiras e socialização com a comunidade. Nada de tortura psicológica e violência. Torna-se, na prática, um momento pedagógico (embora forçado!) para os funcionários conhecerem aquela realidade que nunca tiveram vontade e/ou oportunidade de praticar. O que devia ser obrigatório para um funcionário que é chamado a lidar com determinadas questões específicas como essas, ou seja, o conhecimento prévio e básico da realidade indígena – mas que é sistematicamente ignorado pelos aparatos estatais – os índios o introduzem e realizam à sua maneira.
É hilária a situação porque o ‘sequestro indígena’ - na linguagem simbólica adotada e aceita consensual e implicitamente pelas partes (estado e comunidade indígena) é a clara manifestação política do ‘fingimento’ recíproco como instrumento para se chegar a um consenso provisório e, portanto, à superação momentânea de um suposto conflito. Os índios ‘sequestradores’ fingem que irão até às últimas conseqüências e que irão radicalizar nos seus intentos caso não sejam atendidos, mas eles sabem que o estado sabe que não o farão. O Estado, por outro lado, sabe que os índios fingem ir até às últimas consequências e, por sua vez, ele finge que adotará as medidas necessárias para ‘resolver o impasse’. Haverá, afinal, uma informal solenidade na aldeia ou em alguma repartição da secretária para selar o termo de ajuste de conduta. Talvez, na ocasião, haverá até uma grande confraternização com churrasco e danças. Os seqüestrados ao lembrar com saudade a atenção e o carinho que os índios lhes reservaram durante os dias de ‘sequestrados’ dirão que foram os dias mais lindos da sua vida. É um cliché que se repete há anos. Parece até um rito ancestral. Pelo menos nisso há que se reconhecer o bom senso de algumas instituições em não ver nessas ações de 'sequestro' um crime, e sim uma expressão cultural....
Todo ‘sequestro indígena’, entretanto, manifesta uma clara revolta, embora a ação em si seja mais simbólica que efetiva. Em que pese o tratamento gentil e atencioso dispensado pela comunidade indígena ‘sequestradora’ aos ‘seqüestrados’, não há como não reconhecer que o sequestro é sempre expressão da sua reação/revolta diante de graves omissões e negligências operadas sistematicamente pelo Estado em detrimento do seu projeto social. O caso da educação escolar indígena é emblemático.
Senão vejamos:
1. As numerosas e inéditas construções de prédios escolares construídos em aldeias indígenas nos 2 anos do governo Lago (bem superiores aos 3 últimos governos juntos!) foram de uma qualidade vergonhosa. Sem fiscalização e sem atender ao projeto arquitetônico originalmente aprovado, as construções sofriam mudanças sistemáticas (para pior) no transcorrer dos trabalhos. Isso vem irritando e revoltando justamente as comunidades indígenas.
2. Faz mais de uma década que foi institucionalizada nesse Estado a brincadeira de mau gosto da renovação tumultuada e displicente dos contratos temporários dos professores, na realização caótica do seletivo e na subseqüente e confusa contratação ou renovação contratual do corpo docente nas escolas indígenas no Estado. Perde-se o prazo hábil, as partes não cumprem com as determinações burocráticas (também porque tem a ver com índios!!!) e as aulas nesses últimos 10 anos sempre começaram no mês de maio. Sempre há uma desculpa formal para justificar tamanha irresponsabilidade e displicência. É o único Estado da Federação que age com tamanho desleixo nessa questão específica, segundo quanto afirma o próprio MEC.
3. Somente este ano, depois de 6 anos, é que foi retomada uma formação continuada para os professores indígenas em exercício e se deu início aos cursos de magistério indígena para qualificar os professores indígenas e não, que ensinam nas escolas indígenas. O número excessivo de professores concentrados num único local, a falta de acompanhamento aos professores após as aulas presenciais, a falta de material didático 'tout court', são fonte de tensão permanente.
4. A incapacidade oficial em saber lidar com as formas de ‘esperteza’ de algumas supostas lideranças indígenas que tendem a tirar proveito e a se locupletar com os diferentes fundos escolares (transporte, merenda, etc.) – dando a entender, indiretamente, ao resto da comunidade indígena, que o Estado estaria compactuando com isso – faz da educação escolar indígena no Maranhão um verdadeiro caldeirão de tensões, de chantagens, pressões em todas as direções: para dentro da própria comunidade, entre as próprias comunidades, entre estas e o estado, etc.

Torna-se urgente, - mas desconfio que o atual secretário de Educação do Estado já tenha renunciado... – um pacto para um grande entendimento sobre a educação escolar indígena no Estado. Ou seja, saber de uma vez por todas se – e quais - comunidades indígenas querem mesmo educação escolar, se concordam que esta seja fornecida a partir dos princípios oficiais (bilingüismo, especificidade, etc.) se as regras de operacionalização são aquelas que formalmente deveriam ser aplicadas ou há outras, etc. Tudo isso com a presença do MEC, dos responsáveis do Estado, e do Ministério Público Federal apto a cobrar e a mandar investigar e punir quem quer que seja, caso não se cumpra o que foi concordado. O que não pode mais continuar é o fingimento recíproco que beira o ridículo (trágico): o estado que finge que está cumprindo com suas obrigações formais constitucionais, mas que não está; e muitas comunidades indígenas que fingem que acreditam na educação escolar (não importa qual, nesse momento!) e que estão dando AULA, mas que não estão!

sábado, 27 de junho de 2009

PEDRO: o articulador que dá uma nova identidade ao grupo dos seguidores de Jesus (Mt.16, 13-19)

Lembro-me do filme ‘Nas vestes de Pedro' em que o ator Antony Quinn representava um papa...humano, que se misturava com as pessoas simples do povo, que não era chefe de um estado e que coordenava uma igreja que estava a serviço das pessoas. Eu era um adolescente sedento de novidades na época em que o assisti pela primeira vez, e fiquei profundamente tocado por aquelas cenas que me pareciam ficção ao olhar a realidade eclesial (como o eram, de fato!), mas que um dia foram...reais... Imagino, hoje, como seria a igreja se as cenas do filme se transformssem em realidade histórica....
Pedro, como sabemos, nunca foi papa. Nem existia uma igreja hierárquica e administrativamente estruturada no seu tempo. A igreja de Cristo nasceu muitos anos depois da sua morte e nasceu desde o seu início plural, autônoma, internacional e igualitária. É também verdade que Jesus, o Jesus histórico, nem pensava em fundar uma igreja. A sua preocupação principal sempre foi a pregação da proximidade do Reinado de Deus. Jesus aceitava no seu grupo informal, 'heterodoxo', de tipo itinerante (sem casa, sem normas e sem templo) todas aquelas pessoas que acreditavam firmemente na sua mensagem e prática. Nada mais do que isso!Por que, então, se construiu essa ‘teologia petrina e papal’? De onde vem a ideia de que Pedro teria sido o primeiro papa? E como explicar a sua liderança dentre o grupo dos ’doze’? O evangelho de hoje, de Mateus, nos oferece algumas dicas e talvez algumas respostas...


Em primeiro lugar, o trecho de Mateus relata uma realidade bem posterior à morte de Jesus e não uma existente à época do Jesus histórico. Um primeiro indício é o fato que a palavra ‘Cristo’ atribuída a Jesus pela boca de Pedro, começou a lhe ser atribuída após o aparecimento da consciência progressiva dos seguidores de Jesus de que Ele havia ressuscitado. O próprio Jesus se autodefinia como ‘filho do homem’ e nunca atribuiu a si próprio outros títulos. Sabe-se que com toda probabilidade, após o ‘escândalo’ da morte de Jesus houve uma grande dispersão/desistência dos seus seguidores. Entretanto, começaram a aparecer desde cedo, em diferentes lugares, dentro e fora de Israel, graças aos testemunhos de vários dos seguidores de Jesus, inúmeros grupos que mantinham viva a memória das palavras, gestos, discursos, curas, etc. operadas por Jesus. Não são ainda comunidades propriamente ditas, e tão pouco, comunidades eclesiais.

O momento central de todo esse processo, entretanto, se dá quando, por iniciativa de Pedro, – provavelmente motivado e convencido “pelas mulheres” – o grupo dos ‘doze’ começa a se reunir, e aos poucos, tomar consciência que Jesus continua vivo neles! O trecho de Mateus quer dar ênfase a esse fato histórico, ou seja, que o grupo novamente reunido e remotivado por Pedro reconhece nele aquele que teve a inspiração e a coragem de se voltar novamente ao Mestre, e permitir/facilitar para que outros pudessem fazer a mesma experiência. Era como se fosse uma nova conversão, um novo chamado de Jesus a segui-lo, uma nova e renovada reafirmação da própria fé em Jesus ainda presente no meio deles. Claramente, por motivos teológicos, - para dar sustentação e autoridade àquele histórico consenso apostólico - atribuem diretamente a Jesus o reconhecimento de que ‘Pedro é pedra fundadora’.

É-nos difícil, hoje, reconstruir histórica e temporalmente como se deu e quanto tempo transcorreu desde a morte de Jesus e o surgimento da nova consciência, e qual o efetivo papel da liderança de Pedro entre os seguidores na formação de uma nova identidade eclesial.
Ao resgatar, entretanto, a figura de Pedro o que nos interessa frisar, desde o meu ponto de vista, são os seguintes princípios:

1. Pedro, como as mulheres (Maria de Mágdala em primeiro lugar) soube manter viva a memória das palavras/gestos e do testemunho de Jesus, em que pese o seu medo, a sua fragilidade humana, uma certa intolerância e um certo apego inicial a normas e preceitos.
2. Pedro foi reconhecido como ‘o articulador’ e o iniciador de um ‘novo’ grupo, ao saber lhe conferir uma nova identidade: não mais um grupo submisso a normas e preceitos judaicos, mas aberto a dialogar com culturas e religiões diferentes, sem abrir mão de valores e convicções próprias, aquelas que conferem identidade.

3. Pedro vê reconhecida sim a sua liderança, mas não se aproveita dela para exercer práticas autoritárias. Sabe que ela lhe foi reconhecida pelos seus irmãos e irmãs na fé e foi com eles e elas que teve que coordenar o novo grupo/igreja, agora já separada do judaísmo clássico. Essa prática poderia inspirar a forma de atuar dos que hoje se consideram sucessores de Pedro! Talvez fosse interessante em alguma sala do Vaticano rever o filme de Antony Quinn! Poderia ajudar!

4. Pedro e os primeiros cristãos nunca reivindicaram para si um ‘território’ onde exercer de forma autônoma um suposto poder religioso – pensando que dessa forma estariam livres de manipulações e submissões de outros poderes – mas tinham consciência que deviam construir permanentemente um patrimônio ético e moral. Atrair as pessoas não para transformá-las em fregueses e prosélitos, mas para lhes oferecer caminhos e espaços de realização e felicidade. A extinção do Estado do Vaticano poderia ser o primeiro passo para uma igreja realmente autônoma, sem vinculação com políticas estatais e jogos diplomáticos que desvirtuam a sua missão. Nada impediria que defendesse a paz e o diálogo entre os povos, mesmo sem possuir um Estado próprio!

5. Pedro tornou-se uma pessoa emblemática ao ser apresentado de forma transparente, sem esconder as suas fragilidades e virtudes: impulsivo, generoso, amigão, sincero, autêntico também na hora de admitir as suas traições. Um ser profundamente humano que se apresenta por aquilo que efetivamente é, sem disfarces e hipocrisias.
6. Pedro, ao responder à pergunta de Jesus 'E vós quem dizeis que eu sou?' estava não somente definindo teoricamente a identidade de Jesus, mas estava declarando a sua própria identidade, e do seu grupo. Ao fazer isto Pedro se torna intérprete fiel dos anseios, sonhos e projetos de um grupo/igreja que se reflete, se espelha e se reconhece no modo de ser e agir do Jesus, o ungido/kristos. É para se perguntar se hoje Pedro/papa e sucessores apostólicos se fazem intérpretes fiéis dos anseios/sonhos da humanidade que continua se espelhando nos gestos e palavras de jesus de Nazaré....

Precisamos de muitos ‘Pedros’ hoje na igreja: que sejam mais missionários do que sacerdotes/celebrantes, mais humanos do que atores que recitam papéis estereotipados, mais generosos do que voltados sobre si no aconchego de suas sacristias protegidas e confortáveis....mas frias e solitárias.

terça-feira, 23 de junho de 2009

JOÃO, O BATISTA: COMPROMISSOS ÉTICOS PARA SALVAR ISRAEL/HUMANIDADE

João, o Batista! Chamava-se assim porque ele mesmo praticava o ‘seu próprio’ batismo. Um batismo que não servia para cancelar pecados originais supostamente herdados de Adão e Eva. Nem tão pouco para inserir os batizados numa suposta comunidade eclesial devolvendo-lhes a filiação divina. Nada disso! João fazia mergulhar nas águas do Rio Jordão somente aqueles que lhe prometiam estarem dispostos a dar uma ’túnica a quem não tem e fazer o mesmo com a comida; não cobrar mais do que a lei manda; não usar violência, não extorquir e não prender ilegalmente as pessoas’. Um batismo que passava pela assunção pública de compromissos éticos. Os únicos capazes de reverter, - possivelmente, mas não certamente - o destino que já estava escrito para Israel: a sua destruição, a sua implosão como nação e como ‘autoproclamado’ povo de Deus.
João deixava claro que não adiantava oferecer a carteira de identidade hebraica enfatizando a sua origem abraámica para poder se safar da inevitável ira/vingança que havia tomado conta de Deus. A pertença a uma religião, a uma etnia, a uma organização social supostamente isenta de qualquer punição por acreditarem, arrogantemente, que haviam sido escolhidos e abençoados pelo próprio Deus, não serviria para livrá-los do ‘machado já posto às suas raízes para cortá-los’ definitivamente. João pregava uma reviravolta social e ética, mas ele mesmo desconfiava da sinceridade das ‘raças de víboras’!
João era o típico profeta que falava com o seu corpo, com o seu porte. A escolha de pregar no deserto foi ditada por motivos didáticos e estratégicos. Ao se transferir para um lugar improdutivo, e supostamente estéril, ele queria significar que Israel como um todo havia virado um ‘deserto social e humano’, incapaz de produzir frutos de justiça e de salvação. Ao vestir peles de animais, ao comer mel silvestre e ao viver num lugar inóspito estava dizendo aos sacerdotes do templo de Jerusalém que não era naquele espaço corroído pelo clientelismo e nepotismo descarado que Deus devia ser encontrado e adorado. Não nas belas e suntuosas batas sacerdotais, nem nos incensos importados ou nos sacrifícios de bois gordos associados às purificações meticulosas que Deus devia ser encontrado, e sim, numa prática social justa e coerente, sóbria e distante de todo ritualismo vazio e alienante. A única capaz de repensar e transformar o falido Israel.
Em que pese a postura ousada e corajosa de João o Batista, Jesus o superou. Se de um lado Jesus se identificou com a análise social e religiosa que João fazia, - e dele aceitou o batismo de ‘mudança e compromisso social’, - do outro lado apontou um caminho inédito e diametralmente antagônico ao de João Batista.
Com efeito:
1. Jesus acreditou e apostou não na ira de Deus, mas na Sua misericórdia.
2. João pregava a desgraça de Israel (machado, fogo, ira,etc.) e Jesus anunciava o reino da graça salvadora.
3. João era um profeta estático, permanecia no deserto aguardando que o povo fosse até ele; Jesus sai à procura das ‘ovelhas perdidas’ necessitadas de acolhida e perdão.
4. Para João o futuro da humanidade era carregado de julgamento, de punição certa, sem chances; para Jesus haveria um futuro surpreendente, inédito, seria um futuro carregado de esperança renovada, portador de ‘novos céus e nova terra’.
5. João batizava pessoalmente quase que a significar que, afinal, ele era o único instrumento para as pessoas se salvarem; Jesus não batizava, não fazia depender de um rito a salvação de uma pessoa. Esta depende de um lado da sua capacidade de aceitar e se inserir na dinâmica do Reino, e do outro, na acolhida generosa do que Deus já vem construindo, com ou sem a nossa participação, queiramos ou não!
Afinal, Deus é Pai e não um juiz impiedoso e legalista, e para os seus filhos (batizados ou não!) só quer o bem máximo: a vida plena, a felicidade sem fim.

sábado, 20 de junho de 2009

Segura na mão de Deus e vai - (Mc.4, 35-41) 12º domingo

Se as águas do mar da vida quiserem te afogar segura na mão de Deus e vai....Se as tristezas desta vida quiserem ....” Assim inicia a popular canção que geralmente é cantada nas missas de sétimo dias. Parecem palavras de socorro e conselho ao mesmo tempo. De um lado a constatação de que ao longo da vida fazemos a experiência, às vezes traumática, de sermos engolidos pelas ondas impetuosas do ‘mar da vida’. Do outro lado, é um apelo a segurar a mão de Deus para podermos proceder na nossa viagem em ...segurança.
Ocorreu-me, também, que ‘Deus não tem mãos, Ele tem as nossas mãos....’ - como reza uma oração da idade média de autor desconhecido - para segurar quem está afundando. Ou seja, cabe a nós a missão de identificar quantos hoje estão sendo sugados pelas ondas do mar da vida e oferecer-lhes a nossa firme mão que tem o poder de não deixar sucumbir os que apelam à 'mão de Deus!' Nós podemos ser a ‘longa mão de Deus’ em não permitir que as tormentas e as tempestades do mar da vida tragam para dentro de suas fauces vidas humanas, projetos de esperança e vontades de transformar.

Escolhi a canção ‘segura na mão de Deus’ para ilustrar o evangelho que o 12º domingo do Tempo Comum nos propõe, pois me pareceu bastante adequada para a ocasião. Um trecho bíblico, este, que com toda probabilidade retrata a situação histórica das primeiras comunidades cristãs, depois da morte de Jesus, ao se depararem com um conjunto de perseguições, boicotes, difamações e acusações de todo tipo. O evangelista Marcos ao analisar a realidade em que a sua comunidade está inserida e ao constatar as inúmeras ‘tormentas e ondas impetuosas da vida’, é levado a ‘fazer memória’ e a comparar a atual crise eclesial com as numerosas experiências de travessias perigosas realizadas pelo ’Mar da Galileia’ tendo a bordo o próprio Jesus.
É como se Marcos nos dissesse que ‘ nós já vivenciamos essas situações e sempre escapamos com vida, pois, afinal, Jesus continua, também hoje e aqui, atravessando conosco (como o fazia na Galileia) o ‘mar da vida’, enfrentando conosco todas as turbulências, as ventanias e as tempestades que aparecem na viagem da vida/missão. O medo, o temor, a insegurança, o pânico, ao fazermos tais experiências, podem tomar de conta do nosso espírito, principalmente quando temos a sensação que quem tem o poder de nos ajudar a fazer a travessia em paz está dormindo. Isto ocorre quando fazemos a experiência de nos sentir sozinhos. Quando a tempestade da vida parece ser mais forte do que a nossa fé e da nossa capacidade de enfrentá-la e de passar incólumes por ela.
Marcos nos diz que ‘as águas do mar da vida’ devem ser enfrentadas. Não há como escapar. Elas fazem parte da nossa existência. Sempre aparecerão. Temos que ter fé suficiente para mergulhar dentro delas, sem fugir, sem se deixar vencer pelo desespero e pelo pânico por causa de sua força e impetuosidade. Afinal, Aquele que tem o poder de ‘dominar e controlar’ as ondas do ‘mal/mar’ está conosco, no mesmo barco. Ele nos oferece não só a mão para fazer a travessia em segurança, mas também nos ajuda a encarar as tormentas com outros olhos, como algo que fazem parte do nosso cotidiano, e que podem ser enfrentadas com outros sentimentos e posturas. As tormentas não são ‘o fim da nossa vida’, ‘são parte da vida’.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O 'Sangrado' Coração de Jesus: amor além da morte!

Festa do Coração de Jesus. Preferi tirar o ‘sagrado’ que é posto na frente do ‘coração’, e pôr o 'sangrado', pois dessa forma pode ser algo mais próximo do nosso modo de sentir, hoje. Não é fácil, contudo, se identificar com a festa hodierna que a liturgia nos propõe. O ‘sagrado coração de Jesus’ cheira demais a devoção piedosa e menos a espiritualidade. A primeira (devoção) se baseia num pronunciar repetitivo de fórmulas e preces estereotipadas para ‘obter graças e favores divinos’; já a segunda (espiritualidade) se alimenta das fontes bíblicas e delas encontra motivações profundas para nortear ações, escolhas e opções de vida.
Para os hebreus, e o Oriente em geral, o coração simboliza a ‘consciência e/ou a sabedoria’ que está presente na pessoa. Já o inconsciente, para os hebreus, reside nos rins! Daí se pode perceber que a festa não tem, a princípio, raízes bíblicas, pois a adoção do símbolo do coração como amor já é tardia e típica do Ocidente. Em que pese tudo isso, temos a oportunidade de reinterpretar e atualizar não somente a simbologia manifestada mediante o ‘coração de Jesus’, mas também a própria espiritualidade que dela encontra as suas raízes.
Nesse sentido, o evangelho de hoje (Jo.19,31-37), selecionado oportunamente pela igreja, nos dá algumas pistas de reflexão extremamente atuais. O evangelista João, num estilo dramático, mas profundamente plástico e simbólico, relata como os soldados romanos, após quebrarem as pernas de Jesus já crucificado, enfiaram uma lança no seu peito e dele jorrou ‘sangue e água’. Para João é o ápice da doação gratuita e 'consciente' de Jesus. É um Jesus ‘sangrado’, sugado até o extremo, até o final. Para o escritor e teólogo João, o homicídio de Jesus parece coroar, de forma coerente, o seu itinerário de vida. Jesus se doou de forma tão intensa, dispendiosa e profunda aos outros, e foi tão exigido e ‘sugado’ em suas energias psicofísicas pelas pessoas que inclusive no momento final de sua existência foram-lhe extraídos os últimos resíduos de vida (sangue e água).
João, entretanto, não vê nesse gesto mais um ‘abuso’ praticado pelos soldados e sim, o último gesto gratuito, consciente e coerente de Jesus: ele continua doando, do alto da cruz, mesmo após a sua morte, sangue e água às pessoas, ou seja, a VIDA, a motivação para esperar e viver! Um amor ilimitado para com os seres humanos, inclusive, para com os seus crucificadores. A única coisa que lhe havia sobrado após a sua morte biológica, ou seja, alguns ‘resíduos líquidos’ - mas que simbolizam a energia vital que corre nas veias (sangue e água) dos vivos - foi oferecida de forma soberana ao mundo. É o último gesto profético do pregador de Nazaré: aos que querem aniquilá-lo e destruir os últimos vestígios de vida Ele continua fazendo brotar do seu corpo mais vida. Mesmo morto continua se oferecendo livremente ao mundo para este continue tendo ‘sangue e água’ para VIVER!
Só de um coração assim podia sair perdão, reconciliação, gratuidade, tolerância, e amor sem fim. Jesus, porém, não foi o único! Hoje podemos contemplar inúmeros crucificados e crucificadas da vida, sugados, espremidos e sangrados até às últimas, mas mesmo assim eles/as continuam oferecendo vida a quem produz morte, semeando perdão a quem só conhece intolerância e vingança, propondo diálogo e paz a quantos fazem da violência e da prepotência o sentido de sua vida. Hoje é a festa de todas aquelas pessoas que nos lembrarm com sua vida que ela (a vida) continua teimando em 'existir', apesar da violência, da guerra, do ódio e da morte!

domingo, 14 de junho de 2009

Semear é preciso! (Mc. 26-34)

Há momentos da nossa existência em que podemos chegar a nos perguntar se realmente estamos avançando ou regredindo. Se estamos caminhando para uma maior plenitude de vida ou, ao contrário, a estamos esvaziando. Podemos chegar a desconfiar fortemente a respeito das nossas expectativas quanto ao nosso futuro, e ao da humanidade como um todo. Sentimentos de decepção e frustração podem surgir ao constatar o nosso parcial fracasso como subjetividades e como sociedade que procura elevar a qualidade do seu próprio bem-estar. Em suma, podemos fazer a experiência de duvidar que tenhamos capacidade de construir um futuro diferente, bem melhor daquilo que estamos construindo. Ao experimentar isso podem surgir sentimentos de desânimo, de insegurança, de imobilismo.


As parábolas de Jesus têm como pano de fundo essas mesmas questões. Jesus, mediante as duas pequenas comparações quer responder a investigações, percepções, dúvidas e incertezas quanto ao futuro apresentado por Jesus e desejado pelas pessoas que o abordavam e que conviviam com ele. Jesus deve ter colhido esses sentimentos contraditórios e, ao mesmo tempo, seus legítimos questionamentos: afinal, o Reino de Deus vai mesmo vingar? Como poderá crescer se só conhecemos violência, fome, injustiças, espertezas? Será que o Reino não será esmagado e nós estamos perdendo tempo ao investir em algo que pode estar, de antemão, fatalmente destinado ao fracasso? Será que vale a pena semear a semente da fraternidade na rivalidade, da solidariedade na acumulação, da paz e do diálogo na competição e agressão?


Jesus responde de forma clara e inequívoca:

a) É preciso semear sim! Alguém tem que acreditar que ao semear na terra, os frutos irão aparecer. Entretanto, não há espaço para ingenuidade e amadorismos: a semente tem que ser de boa qualidade, com alto poder germinativo, semeando-a oportunamente, escolhendo e criando as condições e os tempos adequados.

b) A semente, uma vez lançada ao chão apropriado (terra) possui uma dinâmica própria de crescimento. Ela parece possuir dentro de si uma energia e um vigor próprios que independem do nosso cuidado. Sem saber como, mesmo que estejamos dormindo, a semente brota, cresce, se desenvolve, amadurece e produz frutos que serão colhidos na hora certa. É o mistério da vida que se alimenta do espírito/energia de Deus.

c) A semente sempre é pequena, mas encerra dentro de si a potencialidade da grandeza futura que vai vir. É preciso não se deixar abater pelo ‘tamanho’ e aparência da semente, que é pequena, mas que, se semeada na terra, poderá, - como a mostarda – crescer enormemente, e se tornar a maior das hortaliças. Tão grande que poderá abrigar, proteger e dar conta de todas as necessidades e carências dos “passarinhos humanos”.

d) O futuro para Jesus, portanto, é um futuro carregado de esperança, de expectativa realizada, e não de falência e fracasso. Afinal, o futuro será o resultado do tipo e da qualidade de parceira que for estabelecida entre o homem e Deus. O homem tem que semear, mas é Deus que faz crescer. O homem escolhe a semente/fruto que quer plantar/colher, cria as condições para a sua germinação/crescimento. Ou seja, toma a iniciativa de plantar/planejar/executar o que é necessário e prioritário para garantir o acesso ao “Reino da vida”. E Deus, por sua parte, infunde nas iniciativas e ações humanas que visam a construir o Reino da vida, a energia necessária e o vigor exigido para que a semente/fruto não morra, mas frutifique e beneficie a todos.

As parábolas de Jesus são extremamente atuais e nos motivam a olhar para o futuro - que somos chamados a construir - com muita abertura, esperança renovada, mas também com responsabilidade e compromisso pessoal e coletivo. Tudo, numa harmoniosa e frutífera parceria entre os humanos e Aquele que tem o poder de dinamizar e transformar por dentro corações e estruturas.

sábado, 13 de junho de 2009

Carta aberta de um padre ao presidente dos bispos da Itália sobre os escândalos envolvendo Berlusconi.

Apresento, embora em italiano, uma carta lúcida e cheia de coragem de um padre em que denuncia de um lado o comportamento imoral do primeiro ministro da Itália - que envergonha não somente os italianos, mas a sociedade civil/civilizada em geral, - e do outro o silêncio cúmplice do chefe dos bispos católicos da Itália, Mons. Bagnasco, aliado firme do berlusconianesimo.

Assino embaixo quanto o padre afirma! Boa leitura!

Egregio sig. Cardinale,

Ho letto la sua prolusione alla 59ma Assemblea Generale della Cei (24-29 maggio 2009) e anche la sua conferenza stampa del 29 maggio 2009. Mi ha colpito la delicatezza, quasi il fastidio con cui ha trattato – o meglio non ha trattato – la questione morale (o immorale?) che investe il nostro Paese a causa dei comportamenti del presidente del consiglio, ormai dimostrati in modo inequivocabile: frequentazione abituale di minorenni, spergiuro sui figli, uso della falsità come strumento di governo, pianificazione della bugia sui mass media sotto controllo, calunnia come lotta politica.

Lei e il segretario della Cei avete stemperato le parole fino a diluirle in brodino bevibile anche dalle novizie di un convento. Eppure le accuse sono gravi e le fonti certe: la moglie accusa pubblicamente il marito presidente del consiglio di «frequentare minorenni», dichiara che deve essere trattato «come un malato», lo descrive come il «drago al quale vanno offerte vergini in sacrificio». Le interviste pubblicate da un solo (sic!) quotidiano italiano nel deserto dell’omertà di tutti gli altri e da quasi tutta la stampa estera, hanno confermato, oltre ogni dubbio, che il presidente del consiglio ha mentito spudoratamente alla Nazione e continua a mentire sui suoi processi giudiziari, sull’inazione del suo governo e sulla sua pedofilia. Una sentenza di tribunale di 1° grado ha certificato che egli è corruttore di testimoni chiamati in giudizio e usa la bugia come strumento ordinario di vita e di governo. Eppure si fa vanto della morale cattolica: Dio, Patria, Famiglia. In una tv compiacente ha trasformato in suo privato in un affaire pubblico per utilizzarlo a scopi elettorali, senza alcun ritegno etico e istituzionale.

Lei, sig. Cardinale, presenta il magistero dei vescovi (e del papa) come garante della Morale, centrata sulla persona e sui valori della famiglia, eppure né lei né i vescovi avete detto una parola inequivocabile su un uomo, capo del governo, che ha portato il nostro popolo al livello più basso del degrado morale, valorizzando gli istinti di seduzione, di forza/furbizia e di egoismo individuale. I vescovi assistono allo sfacelo morale del Paese ciechi e muti, afoni, sepolti in una cortina di incenso che impedisce loro di vedere la «verità» che è la nuda «realtà». Il vostro atteggiamento è recidivo perché avete usato lo stesso innocuo linguaggio con i respingimenti degli immigrati in violazione di tutti i dettami del diritto e dell’Etica e della Dottrina sociale della Chiesa cattolica, con cui il governo è solito fare i gargarismi a vostro compiacimento e per vostra presa in giro. Avete fatto il diavolo a quattro contro le convivenze (Dico) e le tutele annesse, avete fatto fallire un referendum in nome dei supremi «principi non negoziabili» e ora non avete altro da dire se non che le vostre paroline sono «per tutti», cioè per nessuno.

Il popolo credente e diversamente credente si divide in due categorie: i disorientati e i rassegnati. I primi non capiscono perché non avete lesinato bacchettate all’integerrimo e cattolico praticante, Prof. Romano Prodi, mentre assolvete ogni immoralità di Berlusconi. Non date forse un’assoluzione previa, quando vi sforzate di precisare che in campo etico voi «parlate per tutti»? Questa espressione vuota vi permette di non nominare individualmente alcuno e di salvare la capra della morale generica (cioè l’immoralità) e i cavoli degli interessi cospicui in cui siete coinvolti: nella stessa intervista lei ha avanzato la richiesta di maggiori finanziamenti per le scuole private, ponendo da sé in relazione i due fatti. E’ forse un avvertimento che se non arrivano i finanziamenti, voi siete già pronti a scaricare il governo e l’attuale maggioranza che sta in piedi in forza del voto dei cattolici atei? Molti cominciano a lasciare la Chiesa e a devolvere l’8xmille ad altre confessioni religiose: lei sicuramente sa che le offerte alla Chiesa cattolica continuano a diminuire; deve, però, sapere che è una conseguenza diretta dell’inesistente magistero della Cei che ha mutato la profezia in diplomazia e la verità in servilismo.

I cattolici rassegnati stanno ancora peggio perché concludono che se i vescovi non condannano Berlusconi e il berlusconismo, significa che non è grave e passano sopra all’accusa di pedofilia, stili di vita sessuale con harem incorporato, metodo di governo fondato sulla falsità, sulla bugia e sull’odio dell’avversario pur di vincere a tutti i costi. I cattolici lo votano e le donne cattoliche stravedono per un modello di corruttela, le cui tv e giornali senza scrupoli deformano moralmente il nostro popolo con «modelli televisivi» ignobili, rissosi e immorali.

Agli occhi della nostra gente voi, vescovi taciturni, siete corresponsabili e complici, sia che taciate sia che, ancora più grave, tentiate di sminuire la portata delle responsabilità personali. Il popolo ha codificato questo reato con il detto: è tanto ladro chi ruba quanto chi para il sacco. Perché parate il sacco a Berlusconi e alla sua sconcia maggioranza? Perché non alzate la voce per dire che il nostro popolo è un popolo drogato dalla tv, al 50% di proprietà personale e per l’altro 50% sotto l’influenza diretta del presidente del consiglio? Perché non dite una parola sul conflitto d’interessi che sta schiacciando la legalità e i fondamentali etici del nostro Paese? Perché continuate a fornicare con un uomo immorale che predica i valori cattolici della famiglia e poi divorzia, si risposa, divorzia ancora e si circonda di minorenni per sollazzare la sua senile svirilità? Perché non dite che con uomini simili non avete nulla da spartire come credenti, come pastori e come garanti della morale cattolica?

Perché non lo avete sconfessato quando ha respinto gli immigrati, consegnandoli a morte certa? Non è lo stesso uomo che ha fatto un decreto per salvare ad ogni costo la vita vegetale di Eluana Englaro? Non siete voi gli stessi che difendete la vita «dal suo sorgere fino al suo concludersi naturale»? La vita dei neri vale meno di quella di una bianca? Fino a questo punto siete stati contaminati dall’eresia della Lega e del berlusconismo? Perché non dite che i cattolici che lo sostengono in qualsiasi modo, sono corresponsabili e complici dei suoi delitti che anche l’etica naturale condanna? Come sono lontani i tempi di Sant’Ambrogio che nel 390 impedì a Teodosio di entrare nel duomo di Milano perché «anche l'imperatore é nella Chiesa, non al disopra della Chiesa». Voi onorate un vitello d’oro.

II Parte

Io e, mi creda, molti altri credenti pensiamo che lei e i vescovi avete perduto la vostra autorità e avete rinnegato il vostro magistero perché agite per interesse e non per verità. Per opportunismo, non per vangelo. Un governo dissipatore e una maggioranza, schiavi di un padrone che dispone di ingenti capitali provenienti da «mammona iniquitatis», si è reso disposto a saldarvi qualsiasi richiesta economica in base al principio che ogni uomo e istituzione hanno il loro prezzo. La promessa prevede il vostro silenzio che – è il caso di dirlo – è un silenzio d’oro? Quando il vostro silenzio non regge l’evidenza dell’ignominia dei fatti, voi, da esperti, pesate le parole e parlate a suocera perché nuora intenda, ma senza disturbarla troppo: «troncare, sopire … sopire, troncare».

Sig. Cardinale, ricorda il conte zio dei Promessi Sposi? «Veda vostra paternità; son cose, come io le dicevo, da finirsi tra di noi, da seppellirsi qui, cose che a rimestarle troppo ... si fa peggio. Lei sa cosa segue: quest’urti, queste picche, principiano talvolta da una bagattella, e vanno avanti, vanno avanti... A voler trovarne il fondo, o non se ne viene a capo, o vengon fuori cent’altri imbrogli. Sopire, troncare, padre molto reverendo: troncare, sopire» (A. Manzoni, Promessi Sposi, cap. IX).

Dobbiamo pensare che le accuse di pedofilia al presidente del consiglio e le bugie provate al Paese siano una «bagatella» per il cui perdono bastano «cinque Pater, Ave e Gloria»? La situazione è stata descritta in modo feroce e offensivo per voi dall’ex presidente della Repubblica, Francesco Cossiga, che voi non avete smentito: «Alla Chiesa molto importa dei comportamenti privati. Ma tra un devoto monogamo [leggi: Prodi] che contesta certe sue direttive e uno sciupafemmine che invece dà una mano concreta, la Chiesa dice bravo allo sciupafemmine. Ecclesia casta et meretrix» (La Stampa, 8-5-2009).

Mi permetta di richiamare alla sua memoria, un passo di un Padre della Chiesa, l’integerrimo sant’Ilario di Poitier, che già nel sec. IV metteva in guardia dalle lusinghe e dai regali dell’imperatore Costanzo, il Berlusconi cesarista di turno: «Noi non abbiamo più un imperatore anticristiano che ci perseguita, ma dobbiamo lottare contro un persecutore ancora più insidioso, un nemico che lusinga; non ci flagella la schiena ma ci accarezza il ventre; non ci confisca i beni (dandoci così la vita), ma ci arricchisce per darci la morte; non ci spinge verso la libertà mettendoci in carcere, ma verso la schiavitù invitandoci e onorandoci nel palazzo; non ci colpisce il corpo, ma prende possesso del cuore; non ci taglia la testa con la spada, ma ci uccide l’anima con il denaro» (Ilario di Poitiers, Contro l’imperatore Costanzo 5)....

......Egregio sig. Cardinale, possiamo sperare ancora che i vescovi esercitino il servizio della loro autorità con autorevolezza, senza alchimie a copertura dei ricchi potenti e a danno della limpidezza delle verità come insegna Giovanni Battista che all’Erode di turno grida senza paura per la sua stessa vita: «Non licet»? Al Precursore la sua parola di condanna costò la vita, mentre a voi il vostro «tacere» porta fortuna.

In attesa di un suo riscontro porgo distinti saluti.

Paolo Farinella, prete

(Paolo Farinella è prete della diocesi di Genova, biblista, scrittore e saggista, collabora con MicroMega, con Missioni Consolata di Torino e con l’Editore Gabrielli, ha pubblicato: "Bibbia, parole, segreti, misteri"; "Ritorno all’Antica Messa"; "Crocifsso …Dio e la civiltà occidentale". NdR)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Trindade, ou seja, como sentir (sem ver) o Deus dos ‘invisíveis”


Coloco somente agora algumas reflexões que me foram ditadas, domingo passado, em ocasião da festa da Trindade. Para tais coisas não existe prazo de vencimento. Afinal procurar e sentir a presença de Deus na nossa vida é algo que vai durar...a vida inteira!

Geralmente, a depender da nossa formação inicial, processos de socialização, educação religiosa e/ou formal, etc. acabamos incorporando várias imagens de Deus. Na grande maioria das vezes de forma inconsciente e acrítica. Afinal, nessa dimensão religiosa, ‘certas coisas’ devem ser somente aceitas, incorporadas, e não questionadas!
Essas imagens, geralmente, são diferentes entre si e frequentemente contraditórias e antagônicas. Conhecemos/experimentamos por meio delas um Deus-Criador, um Deus-Juiz e fiscal, um Deus-Todopoderoso que tudo vê e sabe, um Deus ciumento, vingativo, punitivo, violento que dirige com braço estendido batalhas e guerras para esmagar os inimigos.... Experimentamos, também, a imagem de um Deus-Pai/Mãe, amoroso, que protege e abençoa seus filhos e filhas.
Tudo isso convive dentro de nós não sem conflito, nos deixando, frequentemente, em verdadeiras situações de angústia. De fato, ao incorporarmos no nível do consciente e do inconsciente determinadas imagens de Deus (que castiga, que pune, que tudo dirige, etc.), ao constatar que não ‘obedecemos’ às suas normas e preceitos, - que supostamente Ele revelou - fatalmente podemos experimentar sentimentos de culpa, de medo e insegurança.
Nesses momentos parece surgir espontânea a necessidade interior de tentar aplacar possíveis manifestações punitivas de Deus. Tentamos ‘comprar’ a sua benevolência e a sua misericórdia mediante cultos, preces, oblações e doações. Às vezes não conseguimos: a sensação de termos falhado/pecado é tão grande que só mediante formas de autopunição é que podemos aliviar a “consciência pesada”.
Perguntemo-nos, entretanto: quem disse que Deus é desse ou daquele jeito? Quem nos dá a garantia que é Ele que quer isto ou aquilo? Não haveria, por acaso, por parte de quem escreveu/produziu o texto bíblico algum interesse em utilizar-se do 'nome' de Deus para impor e /ou defender interesses específicos, pessoais ou grupais? A Bíblia, afinal, tem uma palavra definitiva, clara sobre a verdadeira identidade de Deus? Ela, não cabe dúvida, nos apresenta todas aquelas imagens contraditórias e antagônicas que nós mesmos incorporamos desde criança porque foi produzida por 'humanos' que projetaram seus sonhos, interesses, projetos e esperanças...inclusive no próprio Deus!
A própria bíblia, portanto, reflete o pensamento, os interesses e os projetos diversificados existentes em determinadas camadas sociais e políticas, nas várias etapas históricas de um povo/cultura, de Israel e dos povos próximos que o influenciaram. A maioria das imagens de Deus que herdamos vem de lá: imagens criadas/construídas e difundidas com o intuito de impor uma determinada imagem de Deus a ser utilizada na legitimação de interesses/projetos das camadas mais influentes (as que governavam, que sabiam escrever, que podiam manipular e dirigir os centros de culto, etc.)
Na própria bíblia, entretanto, essas camadas sociais e políticas influentes não conseguiram censurar totalmente as imagens/representações que outros grupos humanos, socialmente invisíveis, periféricos, considerados hereges, haviam criado para si sobre Deus: um Deus que liberta os escravos, que sabe ouvir o seu clamor e grito de dor; um Deus-Pai/Mãe que não se esquece do ‘filho que gerou’; um Deus que faz justiça ao órfão e à viúva, e defende os seus direitos....que prefere a justiça e o direito às festas, às novenas e às liturgias solenes

Foram essas imagens específicas de Deus que Jesus de Nazaré adotou. Ele, como nos diz João, nos revela Deus, sendo que ‘ninguém O viu’, e explicita a Sua ‘verdadeira identidade’. Nesse sentido, ao sabermos/conhecermos a identidade de Deus revelada por Jesus podemos experimenta-lo e senti-Lo presente em nossas vidas. Tudo isto ao reproduzir a mesma relação (palavras, gestos, opções, atitudes...) que Jesus tinha para com “aquele Deus”, entendido como ‘Abbá-Pai-Mãe”, cheio de misericórdia e de compaixão, que 'faz chover sobre os bons e sobre os maus' porque a todos os trata como filhos e filhas.
Não exigindo destes ‘nem sacrifícios e nem oblações’, ou outras formas de negociação material e/ou cultual, pois Ele ama e perdoa gratuitamente.

Quando a neurose distorce, manipula e suja histórias de vida e dignidades

Quarta feira 10 de junho na aldeia Sabonete do Leão, na Terra Indígena Guajajara-Canabrava, haverá uma liturgia para lembrar o sétimo dia do falecimento do professor Joaquim Guajajara atropelado por um caminhão na semana passada.
Vindo do povoado Sabonete, de bicicleta, onde havia ido para fazer algumas compras, ao regressar, já bem próximo de casa, foi investido por um caminhão ao fazer uma ultrapassagem arriscada de um outro veículo. Joaquim como muitos 'invisíveis' sequer foi notado. Lançado a vários metros e tendo sua cabeça esmagada, Joaquim morreu na hora.
Ele deixa esposa e três filhos, além de familiares e amigos que o estimavam e lhe queriam bem. Deixa, ao mesmo tempo, para eles - e para nós - a árdua tarefa de ‘desfazer’ a versão de sua própria morte... É que a neurose local dos assaltos indígenas no trecho da BR 226 construiu e difundiu uma versão segundo a qual Joaquim teria sido morto ao tentar assaltar um caminhão!
Os familiares, angustiados, além de chorar a sua morte têm que lutar agora, contra o que parece ter se consolidado como a única versão. Joaquim faz parte daqueles mais de 7.000 Guajajara da Terra Indígena Canabrava que lutam e labutam, plantam e trabalham para colher futuro e esperanças sem rapinar nem os sonhos, nem a dignidade e nem os bens materiais de quem quer que seja.
Informações não totalmente confirmadas dão conta de que o caminhão que investiu Joaquim foi parado no posto policial que fica na entrada de Barra do Corda. Não se sabe ao certo o desfecho. Ouso até pensar, - minha neurose - que o próprio motorista para se livrar do flagrante tenha vendido a versão que investiu o Joaquim para evitar ser 'assaltado'....
Ao fazer memória desse irmão, e ao fazer jus à verdade dos fatos, invocamos bom senso, equilíbrio e responsabilidade para não macular mais histórias, vidas e dignidades de pessoas que só tentam construir diálogo e fraternidade entre seus pares!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Assaltos no trecho indígena entre Barra do Corda e Grajaú: uma Carta Aberta de entidades indigenistas aos poderes públicos e à sociedade


Algumas semanas atrás havia colocado algumas reflexões, numa postagem, sobre esse problema angustiante para muitas pessoas. Domingo passado, um adolescente Guajajara de 14 anos foi morto em mais uma tentativa de assalto a um ônibus no trecho indígena. Um segurança da empresa de transporte progresso, segundo informações de pessoas do local, abriu fogo e atingiu o jovem indígena na cabeça matando-o. Algo deve ser feito e já! Aqui vai a íntegra da carta!

A Diocese de Grajaú, o Secretariado da CNBB NE V, e a Associação “Carlo Ubbiali”,

diante dos lamentáveis fatos que vêm ocorrendo na BR 226 no trecho indígena envolvendo assaltos, agressões físicas e morais supostamente praticados por alguns indígenas da região, queremos manifestar o nosso firme repúdio e nos solidarizar com todas as vítimas marcadas pela violência física e moral. Ao mesmo tempo, queremos nos solidarizar também com aquelas famílias indígenas da região - que são a grande maioria - que sem ter cometido nenhum ilícito são tachadas de bandidos e assaltantes por numerosos não indígenas da região só pelo fato de serem ‘indígenas’ da região.

Queremos denunciar, outrossim, as formas manipuladoras de determinada mídia e setores sociais da região que divulgam de forma capciosa os acontecimentos responsabilizando única e exclusivamente os indígenas pelos assaltos, agressões e outras violências que vem ocorrendo na BR dentro da terra indígena.

A permanente exposição midiática desses fatos com suas interpretações nem sempre objetiva alimenta a revolta, o preconceito e o ódio, e fortalecem a prática grosseira da generalização indiscriminada, ofendendo a verdade e a dignidade dos mais de 7.000 indígenas que moram naquela terra indígena Canabrava e que nunca agrediram e ameaçaram ninguém! Sem contar com o fato que isso não ajuda a pensar coletivamente formas positivas e afirmativas para solucionar esses problemas.


Temos consciência de que herdamos da nossa história e cultura numerosos preconceitos seculares que nos levam ou a idealizar ou a demonizar os povos indígenas. Na idealização irreal, a–histórica, imaginamos que os povos indígenas são perfeitos, inocentes, puros, ‘crianças inofensivas’ esquecendo que fazem parte de sociedades históricas, concretas e que, como tais, estão sujeitos a inúmeras contradições como todas as demais sociedades humanas. Eles também como todos os povos da terra produzem dentro de si seus pequenos ou grandes monstros!

Louvamos a atitude tomada por várias lideranças da T. I. Canabrava, das autoridades policiais, do Ministério Público e do Poder Judiciário de Barra do Corda ao realizarem uma audiência pública em fins de janeiro de 2009, procurando somar esforços para a solução de tais problemas. Entretanto, até o presente momento esse esforço não redundou em maior segurança e paz.

Poucos sabem, e pouco se divulga que quem arquiteta e dirige efetivamente a violência na região, semeando insegurança e medo, não são somente alguns indígenas locais, e sim pessoas não indígenas, em sua grande maioria fugitiva da justiça. Esses criminosos conseguem, de forma ardilosa, se infiltrar no seio das comunidades indígenas locais. Seduzem algumas jovens, começam a conviver com elas, se tornam membros da sua família. Acreditam poder ter direitos formais como os demais indígenas e, principalmente, pretendem poder agir à margem da lei desrespeitando quem, ingenuamente, os acolheu.


Esses membros não indígenas das aldeias do ‘trecho indígena’ conseguiram aliciar para o crime alguns jovens indígenas oferecendo-lhes perspectivas de vantagens fáceis e de enriquecimento rápido. Do seu lado os criminosos não indígenas contam com o medo dos próprios indígenas aliciados e ludibriados por esses ‘veteranos do crime organizado’ e o com o medo da comunidade indígena que se vê frequentemente ameaçada em caso de denúncia. Não se pode esquecer também que eles contam com a ausência/omissão do governo federal e com a permanente disputa entre os vários órgãos administrativos que ficam tergiversando quanto às suas competências formais em garantir segurança aos que transitam dentro de uma terra indígena federal.

Entristece-nos constatar que esses jovens indígenas aliciados para o crime organizado veem em muitos setores da população não indígena local péssimos exemplos de respeito, onde a falta de honestidade, a prática de ilícitos, de violência e agressões físicas e morais são praticados com uma intensidade vergonhosa, e muitos deles sem sofrer qualquer tipo de punição. Sem falar no fato que, secularmente, esses setores sociais locais marginalizam e detestam os indígenas de forma ostensiva e igualmente revoltante. Tudo isso favorece o surgimento da mentalidade e prática de que não é possível e nem vale a pena dialogar e conviver harmoniosamente.

Ao afirmar isso não queremos retirar e eliminar a responsabilidade pessoal desses indígenas que vêm cometendo esses crimes provocando sofrimentos físicos e morais em muitas pessoas do nosso Estado. Ao contrário, em que pesem as formas de aliciamento, de cooptação e ameaças praticadas por não indígenas para que membros indígenas se juntem a eles para praticarem crimes, apelamos à justiça para que tome medidas enérgicas contra quem quer que seja que praticou esses crimes. Ao mesmo tempo, apelamos para que juntos possamos pensar em formas eficazes para garantir segurança e paz aos transeuntes. Alguns caciques da região já prenderam e entregaram à justiça alguns jovens indígenas pegos em flagrante em um dos assaltos e se comprometem a continuar em sua ação fiscalizadora.
Temos, enfim, que desencadear iniciativas sociopedagógicas junto ás comunidades, inibindo não só o ingresso de jovens indígenas nesses crimes, mas abrindo-os à beleza da convivência harmoniosa, à educação, ao lazer, ao esporte, à valorização de sua cultura.

Enquanto Igreja católica que procura testemunhar o reino da justiça e da paz a todos os seres reafirmamos o nosso compromisso em continuar ao lado dos povos indígenas para:

a: realizar visitas sistemáticas às aldeias da T.I. Canabrava a fim de ouvir, dialogar e perceber suas necessidades e potencialidades;

b. Realizar oficinas com educadores em escolas indígenas, com mulheres, jovens, lideranças sobre os cuidados com a vida, sobre direitos e deveres contemplados na legislação indigenista e nas práticas tradicionais;

c. Uma prática evangelizadora explícita, respeitosa e libertadora, que ajude a despertar para o sentido da vida, no respeito à terra como dom do Criador, e na preservação de todos os seres vivos.

Aos poderes públicos a quem cabe primordialmente o dever constitucional de garantir segurança e integridade física aos cidadãos e cidadãs, propomos:

a. Que seja deflagrada uma enérgica ação interinstitucional dos órgãos de segurança (estadual-federal) para que mediante um conjunto de ações de inteligência identifiquem e neutralizem os responsáveis pelos assaltos e violências praticadas por quem quer que seja no trecho indígenas da BR de forma a restabelecer a segurança física na região.


b. Que os órgãos competentes ao realizar eventuais buscas e apreensões, e detenções o façam dentro da legalidade estabelecida. Que tudo isso seja amplamente divulgado de forma transparente, inclusive os nomes dos responsáveis onde evitar possíveis manipulações, mas fazendo emergir a verdade.


c. Que se continue mantendo vínculos de colaboração e diálogo entre os representantes das comunidades indígenas e os órgãos de segurança e da justiça local no sentido de encontrar medidas sociais e políticas aptas a estabelecer e manter a segurança física no trecho indígena. Sugerimos, por exemplo, um cadastramento de todos os membros não indígenas que moram, vivem ou freqüentam sistematicamente as aldeias indígenas, não com o intuito de persegui-los, mas como forma cautelar de prevenção para salvaguardar a segurança e a paz das próprias comunidades indígenas também elas expostas à ação de aventureiros sem escrúpulos.


d. Que a FUNAI, o IBAMA e a Polícia Federal fiscalizem e combatam de forma implacável todo tipo de exploração madeireira na terra indígena Canabrava e o comércio de entorpecentes, pois tudo isso atrai para as aldeias pessoas e grupos que vivem à margem da legalidade. Estas exercem um poder agressivo de aliciamento, corrupção e ingerência deletéria sobre várias pessoas das comunidades indígenas.


e. Que haja por parte dos governos estadual e federal uma real presença afirmativa e respeitosa junto ás comunidades indígenas no sentido de implementar políticas públicas específicas oferecendo reais perspectivas de futuro e de realização pessoal e coletiva para os indígenas da região. Tais ações poderão em médio prazo favorecer o surgimento de uma nova cultura de paz, de respeito e de convivência harmoniosa independentemente de cultura, religião, ideologia e pertença social.

Grajaú, 31 de maio, 2009 – dia de Pentecostes -

terça-feira, 2 de junho de 2009

VALE:MODELO DE EMPRESA A NÃO SER SEGUIDO. Os Combonianos se pronunciam.....


Coloco uma síntese livremente re-elaborada por mim de um artigo redigido pela Equipe Comboniana de Açailândia/Piquiá sobre a atuação da VALE no Brasil e no mundo.



No mês de maio uma enchente sem precedentes invadiu no Maranhão os vales dos rios Pindaré e Mearim, uma das regiões mais pobres do Brasil. Por semanas inteiras os moradores daquelas regiões ficaram desabrigados; as estradas cortaram-se inúmeras vezes no Maranhão todo, interrompendo o transporte de pessoas, mercadorias e alimentos; pontes caíram e algumas cidades ficaram isoladas.


Nos mesmos dias, as águas cobriram também a via férrea de Carajás e provocaram desmoronamentos, interrompendo o tráfego em dois pontos. A diferença é que a ferrovia de Carajás transporta o ferro mais puro do Brasil, desde a mina mais rica do mundo até o porto mais fundo do continente latinoamericano. A cada dia, ao longo dos trilhos, passa minério pelo valor médio de 21 milhões de dólares!


A lei do lucro, também nesse caso, fala mais alto de qualquer outra prioridade: a Companhia Vale do Rio Doce (Vale), gestora da estrada de ferro e da mina de Carajás, utilizou criatividade, tecnologia e abundância de mão-de-obra (500 homens foram mobilizados na operação) para levantar diques com sacos de terra dos dois lados dos trilhos e retirar de dentro dessa barragem improvisada a água acumulada através de bombas de sucção.

A Vale do Rio Doce vítima e corresponsável da crise


A Vale tem um poder econômico comparável ao de inteiros Países: é a segunda maior mineradora do mundo por receita bruta, que supera o PIB de nações como o Quênia (37 milhões de habitantes). No mês de Março de 2009 declarou suas perspectivas de crescimento no Moçambique pela realização de uma mina de carvão e de uma central de energia térmica (fortemente poluidora): o investimento previsto é de mais de 4 bilhões de dólares, correspondentes a mais do 30% do PIB do Moçambique em 2008!



Pode-se objetar que não cabe a uma empresa privada socorrer as vítimas de desastres naturais; duvidamos porém que as repetidas enchentes desses meses sejam somente fruto da loucura ambiental. A responsabilidade social de qualquer empresa deve levar em conta sem desconto os efeitos colaterais desse modelo de produção, baseado sobre a monocultura, a devastação da mata nativa para alimentar os fornos de carvão para as siderúrgicas, a poluição (somente em São Luís 70% dos óxidos de nitrogênio, 53% do dióxido de enxofre e 30% do material particulado deve-se à Vale!).

Mesmo assim, vamos considerar um exemplo ainda mais diretamente de responsabilidade das empresas: a crise e o desemprego.



Ao longo desses anos, o refrão da Vale é que a maior riqueza da Companhia são os próprios trabalhadores; em tempo de vacas gordas, é fácil encher a boca com esses proclamas, mais difícil é manter a palavra durante a crise. Daí o conflito desses dias: Vale anunciou o corte de 300 pessoas em Minas Gerais, mas os sindicatos suspeitam que esse número possa chegar até a 850.

Mesmo tendo uma diminuição nos negócios no último trimestre, Vale fechou 2008 com um desempenho recorde (lucro e receita bruta cresceram de 2007 para 2008 respectivamente de 19% e 16,3%). O preço do minério permaneceu fixo ao longo do ano todo, mas nos últimos meses Vale está vendendo minério às empresas chinesas com 20% de desconto sobre o preço de referência de 2008, para não perder o mercado oriental em concorrência com outras mineradoras.


Na região de Carajás, porém, onde Vale detém o monopólio da mineração, não houve desconto algum: por isso, no Pará de 10 siderúrgicas existentes somente 3 estão trabalhando. Em Açailândia, importante centro siderúrgico do Maranhão, somente 6 sobre 15 altofornos estão ativados.


Em paralelo a essa “agressividade econômica”, temos desde já numerosos exemplos de violência ambiental. Os últimos foram um incidente grave na Nova Caledônia em Abril A poderosa máquina da propaganda da Vale divulgou no mesmo período dos acidentes o lema de ”empresa cada vez mais verde”. Para o sistema do lucro, os acidentes são pequenos empecilhos e, às vezes, até oportunidades, como podemos aprender dessa fala emblemática do presidente da Companhia, Roger Agnelli: "Esta crise está boa para nós. Todos os rios caminham para o mar. A realidade é que nós temos os melhores recursos; nós temos o mais baixo custo e muitos dos grandes caras - que eram grandes há alguns meses - estão desaparecendo. De fato, Vale aproveitou nesses últimos meses para realizar operações economicamente muito significativas.

Em busca de respostas evangélicas


A violência socioambiental continua coletando mártires silenciosos, mortes lentas e outras mais chocantes. Esse apelo chega forte a nosso coração de missionários, chamados por Deus às fronteiras da luta para que Tudo tenha Vida. A justiça ambiental é a utopia mais completa que podemos buscar, a partir dessas terras preamazônicas que já sofreram inúmeras violações e saques.


As palavras de São João, padroeiro tão querido pelo povo do Nordeste, ressoam em nós com sabor de raiva e paixão pela justiça: ”Raça de cobras venenosas, quem lhe ensinou a fugir da ira que vai chegar? Façam coisas para provar que vocês se converteram!”


Quando Jesus mandou escolher entre Deus e o dinheiro, não isentou a classe empreendedora dessa opção: há meios e possibilidade de investir e gerar trabalho e lucro no respeito da vida e do meio ambiente. Esses meios se encontram através de dinâmicas de partilha, de participação, de acesso de todos às decisões: são esses os valores profundamente evangélicos que devem permear também o mundo da economia, em profundo conflito com os valores do anti-reino (acumulação, centralização do poder e das escolhas, controle do capital, financeirização dos recursos, etc).

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Missão dos Missionários Combonianos Na América Latina -Quito 2009



Coloco, a seguir, o esboço do documento final relativo à missão elaborado no encontro continental que se realizou em Quito (Equador) entre os delegados ao Capítulo Geral dos Missionários Combonianos em Roma.
Convocados pelo Espírito de Jesus, herdeiros de Comboni, nos sentimos chamados a viver em plenitude e a ser portadores de vida, como Jesus Bom Pastor, para dar vida abundante e ser mensageiros de uma esperança crível para os povos.
Como combonianos nos sentimos chamados e consagrados a viver e a compartilhar a vida com os mais abandonados e excluídos para sermos sinal diante deles do amor e da proximidade do Deus da vida. Cada província/delegação –em sintonia com o Instituto- discerne onde estão esses grupos humanos em cada lugar e época, a partir de sua própria história e da realidade social e eclesial. A partir deste princípio, os combonianas de América/Ásia optamos pelos afro-descendentes, pelos indígenas, pelas periferias urbanas e pelo mundo chinês.

Esta missão pela vida a realizamos em três dimensões básicas:
1. Proclamação da Palavra de vida. Cremos que as pessoas do nosso mundo esperam una Palavra que seja verdadeira, iluminadora, consoladora, libertadora, que lhes mostre como Deus os vê, isto é, como filhos e filhas amados e chamados a viver em comunhão. Cremos que essa Palavra encontra uma “encarnação” especial nas Escrituras, lidas a partir da vida e com abertura ao Espírito. Dentro desta dimensão, os combonianas nos sentimos especificamente chamados a dar prioridade ao anúncio e testemunho da Palavra que gera vida. Reafirmamos nossa decisão de dar prioridade aos povos e grupos humanos que estão além das fronteiras eclesiais e que não estão recebendo o dom da Palavra encarnada em Jesus de Nazaré (primeira evangelização).

2. O serviço. Iluminados pela figura do Bom Samaritano nos dedicamos com prazer e generosidade ao serviço aos pobres, realizando “sinais messiânicos” (sinais da presença do Reino) que mostrem a proximidade de Deus. Nesta perspectiva, consideramos um serviço necessário nos tempos de hoje um trabalho forte a favor da Justiça, da Paz e o respeito pela Criação.

3. A comunhão. Cremos que a humanidade é uma única família de filhos de Deus, cuja plenitude de vida se realiza na fraternidade. Por isso promovemos a comunhão e participação, processos de reconciliação, criando ou recriando relações comunitárias de solidariedade em vista de um mundo mais justo e fraterno, sem dominados e nem dominadores. Com as comunidades de discípulos que o Espírito vai suscitando, celebramos a santidade da vida, a beleza de sentir-nos irmãos, e a esperança de um mundo novo; e nos alimentamos freqüentemente com o pão da Palavra e do Corpo do Senhor. Nesta dimensão, favorecemos o diálogo intercultural e interreligioso, assim como a animação missionária das igrejas, promovendo a comunhão e colaboração entre igrejas e povos.

Metodologia

Os combonianos de América/Ásia queremos realizar nossa missão seguindo o princípio comboniano “Salvar África com África” que, para nós, neste momento implica:
1. Inserção social, afetiva e cultural como meio de aproximarmos aos pobres com os quais queremos compartilhar a vida. Cada província/delegação e comunidade devem discernir: modos, tempos e condições para aplicar este princípio.
2. Escuta atenta da realidade, das pessoas e dos sinais dos tempos, com uma atitude de respeito e capacidade de análise.
3. O discernimento pessoal e comunitário como método de trabalho, e para tomar decisões.
4. Criação de pequenas comunidades eclesiais.
5. Formação de líderes para a sociedade e para a igreja.
6. Indo além das fronteiras eclesiais, inclusive criando iniciativas missionárias não circunscritas à paróquia.
7. Animação missionária, para que nossas igrejas se abram para a missão na “outra margem” (Aparecida 376), através dos meios de comunicação, testemunho pessoal, estando presentes nos organismos da igreja local, e cooperando com outras instituições da sociedade.
8. Promoção vocacional e formação de novos discípulos missionários.
9. Internacionalidade. Vivemos a vocação-missão como uma comunidade de irmãos procedentes dos mais diversos lugares e culturas, isto enriquece nossa resposta ao chamado recebido.
10. Pluriministerialidade: Seguindo a intuição de Comboni, no nosso instituto vivemos a missão com uma pluralidade de ministérios, de sacerdotes e irmãos, abrindo-nos também a outros ministérios leigos e a toda a família Comboniana. Esse princípio caracteriza também nossa ação evangelizadora e pastoral.
11. Cooperação: Como portadores de vida, cooperamos com qualquer pessoa e instituição que trabalhe a favor da vida, especialmente dos mais pobres.
Na foto: menina indígena de Otovalo, cidade famosa por produzir riquíssimo artesanato indígena.