domingo, 28 de fevereiro de 2010

QUANDO UM EMPRESÁRIO É SÉRIO E RESPONSÁVEL SE PODE PENSAR EM UM BRASIL DIFERENTE!

Transcrevo um artigo interessante de um empresário bastante conhecido e apreciado pela sua seriedade e responsabilidade social. Queira Deus que outros apareçam nesse Brasil afora. (Tirado do site do IHU)
As elites empresariais só deveriam financiar e apoiar candidatos com ficha limpa. Elas precisam compatibilizar discurso e prática", escreve Oded Grajew, empresário, membro do Conselho Deliberativo e presidente emérito do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social,idealizador do Fórum Social Mundial e ex-assessor especial do presidente da República (2003), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 28-02-2010.
Eis o artigo.

Na campanha de 2002, o candidato Lula, tentando afastar os temores das elites nacionais, lançou a "Carta ao Povo Brasileiro", na qual se comprometeu a manter as bases da política econômica e respeitar os compromissos assumidos com organismos internacionais.
Lula sabia que, pelo sistema que vigora até hoje de financiamento de campanhas e pela influência das empresas de comunicação sobre os eleitores, dificilmente um candidato a presidente seria eleito sem um substancial apoio empresarial.
Na realidade, era uma carta dirigida às elites empresariais brasileiras, isto é, às lideranças compostas pelos dirigentes das maiores empresas e das entidades representativas do setor.
O Brasil tem melhorado. Olhando, porém, nossos indicadores sociais, a qualidade de nossos políticos e dos serviços e políticas públicas, o funcionamento do nosso sistema judiciário, os índices de degradação ambiental, a violência na sociedade e a corrupção nas relações sociais, econômicas e políticas, certamente podemos concluir que estamos muito longe do desejável e dos indicadores de desenvolvimento humano, de justiça social e de qualidade de vida atingidos pela maioria dos países desenvolvidos e de vários outros países até mais pobres do que o Brasil.
Nossas elites empresariais são muito poderosas. A maioria dos nossos políticos (e na democracia a maioria decide) são simples representantes das empresas que financiam suas campanhas. As empresas de comunicação exercem um enorme impacto sobre as decisões políticas, de consumo, de comportamento e de valores dos cidadãos.
As elites empresariais (da qual também faço parte) declaram que chegaram aonde chegaram graças a muito trabalho e competência, assegurando para si praticamente todos os direitos, como acesso a boa educação, saúde, moradia, transporte, segurança (gastam fortunas para se proteger), aposentadoria, lazer e cultura.
A mesma competência e dedicação deveriam agora ser usadas para que o grande poder acumulado pudesse ser convertido em correspondente responsabilidade pelo bem-estar de todos. E que tantos direitos assegurados sejam acompanhados de deveres com o país em que cresceram e vivem.
As elites empresariais deveriam financiar e apoiar apenas candidatos com ficha limpa, comprometidos em fazer a reforma que moralize o sistema político, em promover as mudanças que recuperem a credibilidade na Justiça e nas instituições democráticas, em implementar as justiças fiscal e tributária, em aprovar orçamentos públicos que sejam norteados pelo combate à desigualdade e em mudar legislações para que tenhamos mais empregos, trabalho decente e aposentadoria digna para todos. Também deveriam exigir dos candidatos e dos eleitos serviços públicos de qualidade, à altura da nossa carga tributária (das maiores do mundo).
As elites empresariais, que têm pleno conhecimento dos enormes riscos do atual modelo de desenvolvimento, deveriam usar seu poder para mudar nossos processos de produção e consumo e nossa relação com o meio ambiente e ajudar o promover o desenvolvimento sustentável do país.
As elites empresariais são formadoras de opinião, influenciam muitas pessoas pelo exemplo e comportamento. Nas ações, no dia a dia, na vida pessoal e na empresa, é fundamental serem coerentes com os valores declarados publicamente, compatibilizar discurso e prática.
Precisam respeitar as leis, ter um comportamento ético e cidadão, promover a cultura da solidariedade e da não discriminação, adotar hábitos de consumo que respeitem o meio ambiente, valorizar a vida e o bem-estar das pessoas acima dos interesses econômicos, investir bem mais na comunidade, dando um destino mais nobre a recursos ociosos e supérfluos e gerir as empresas de forma socialmente responsável.
No dia em que nossas elites empresariais, movidas até por interesse próprio, tomarem consciência da responsabilidade gerada pelo seu grande poder e pelos deveres decorrentes dos seus direitos adquiridos, o sonho de um Brasil mais justo, ético, seguro e próspero para todos e para as futuras gerações terá grande chance de se concretizar.
Será a única forma de mostrar que não agem movidas apenas por seus interesses econômicos e que praticam de verdade a responsabilidade social, e não a usam apenas como instrumento de marketing.Espero que esta carta, qualitativamente diferente daquela de 2002, encontre destinatários maduros, cidadãos conscientes e sensíveis e lideranças à altura dos desafios e das oportunidades do nosso Brasil.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS: É PRECISO SER UMA 'METAMORFOSE PERMANENTE'! (Lc. 9,28b-36)

O gênio da música popular brasileira, Raúl Seixas, cantava que era ‘uma metamorfose ambulante’. O nosso querido e saudoso Dom Hélder Câmara afirmava que ‘é preciso mudar sempre, para permanecermos os mesmos!’ Já os pais da proto-filosofia ocidental, os gregos, vinham evidenciando o que não se podia negar, a saber, ‘tudo muda, tudo corre’ e que ‘não se pode tomar banho duas vezes com a mesma água no mesmo rio’, pois ela já era uma ‘outra água’!
O ‘devir’ faz parte da nossa essência de sermos ‘seres vivos’. Quem não sabe mudar, se transformar permanentemente, deixa de ser 'ele mesmo'. Não se assustem, prezados leitores, não é aula de filosofia, é a introdução ao evangelho que a liturgia desse domingo nos propõe: a transfiguração, a metamorfose de Jesus de Nazaré. Ou seja, o relato da mudança radical (transfiguração) de perspectiva de vida Jesus para permanecer o mesmo, para manter a sua identidade de profeta.

Não se trata, evidentemente, de uma narração com o intuito de exaltar o poder glorioso, esplendoroso e magnificente de Jesus. Trata-se de uma profunda lição de vida sobre como encarar a dor, a provação, a perspectiva de uma aparente e imediata derrota humana, e como tentar superá-la. O evangelista, ao recuperar a trajetória histórico-humana de Jesus de Nazaré, mas já com os olhos da fé no Ressuscitado, - e, portanto, uma visão a-posteriori, - procura enfrentar as grandes questões humanas pelas quais o próprio Jesus passou: o sentido da vida/missão, o papel da morte, o medo, o fracasso humano, as tentativas de sua superação, etc.

A chave para entender o relato é quando se diz que ‘Moisés e Elias envoltos em glória falavam sobre a morte de Jesus em Jerusalém’. Ou seja, é o momento em que Jesus toma consciência de que poderá ser eliminado fisicamente e que a sua missão profética poderá ser varrida. Paradoxalmente, o texto inicia falando em esplendor, brancura, em transfiguração, seja de Jesus como de Moisés e Elias, mas para sublinhar que estavam falando sobre a ‘morte de Jesus’.
Tanta luz, afinal, não consegue ocultar uma realidade tão trágica quanto a morte iminente de Jesus. Lucas parece nos dizer que é preciso se transfigurar, mudar radicalmente de perspectivas, deixar de sermos nós mesmos por um instante, para podermos ter a coragem de falar e encarar a nossa morte iminente sem perdermos o controle de nós mesmos. Ou seja, numa situação de ‘normalidade’ seriamos incapazes de enfrentar uma realidade/tabu que, afinal, faz parte do nosso ‘devir humano’.

O evangelista, entretanto, nos diz muito mais: a morte é algo que deveremos enfrentar sozinhos. A força necessária para encará-la a deveremos encontrar dentro de nós mesmos. De fato, enquanto Jesus falava com Moisés e Elias, - dois profetas lutadores solitários que inspiraram Jesus em sua missão, – os três atuais líderes de Jesus (Pedro, Tiago e João) estavam dormindo, incapazes de partilhar a angústia e o medo de Jesus. Travar uma luta de resistência contra a morte, sentir medo do medo que está por vir, vislumbrar de forma realista a perspectiva de derrota de um sonho, de um projeto, não significa ser um vencido, de antemão.

Foi nessa experiência angustiante que Jesus vislumbrou também a sua superação. Ao fazer a experiência da dor educamo-nos progressivamente a lidar com ela; ao fazer a experiência da derrota, apreendemos a vencer e a superar obstáculos; ao sentir medo podemos começar a lidar com ele e amenizar os seus efeitos paralisantes.

Esta, de fato, foi a experiência iluminadora que Jesus teve ao perceber a iminência da sua prisão e do fracasso missionário. A perspectiva da paixão e da morte, em lugar de abalar Jesus, - embora o tenha turbado profundamente – permitiu que mudasse radicalmente o modo de encarar a sua missão. A metamorfose que ocorreu em Jesus foi surpreendente: na morte violenta iminente Ele se sente confirmado de que o que vinha fazendo estava certo! Após momentos de angústia e desnorteamento inicial, Jesus se sente confirmado pelo Pai de que era imperativo ir a Jerusalém e assumir as conseqüências previsíveis de tal decisão.

A morte poderia ser, afinal, o último gesto profético do ‘servo de Deus’ de Nazaré para tentar provocar uma ’metamorfose/transfiguração’ nas opções e atitudes das pessoas. Para tentar sacudir uma nação que se demonstrava incapaz de perceber a iminência do colapso moral, econômico e político. No desespero, Jesus aprende a esperar, na aparente derrota e fracasso, Jesus sente-se um vitorioso.

É nas crises extremas e aparentemente sem saída que, em geral, encontramos saídas inéditas e criativas. Que isto aconteça conosco e com a humanidade!
Bom domingo e boa Quaresma!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Vale, a Funai e a interdição da ferrovia do Carajás. Quem ganha com isso?

Na guerra permanente da contra-informação a Vale quer sempre se sair bem. Após o bloqueio da estrada de ferro, alguns dias atrás, por parte de um grupo de índios Guajajara, nas proximidades de Alto Alegre do Pindaré, a Vale imediatamente veio ao público afirmando categoricamente que não podia ser uma forma de represália contra ela, pois sempre havia respeitado rigorosamente o convênio que havia firmado com Funai para beneficiar as comunidades indígenas da Terra Caru, Pindaré e Awá-Guajá.

O motivo da interdição temporária da estrada de ferro foi justamente isso: a não liberação desde o ano passado das verbas previstas para tocar vários projetos nas comunidades indígenas contempladas. Ocorre que – segundo o depoimento de alguns índios – a Funai única administradora dos recursos da Vale ( 7 milhões ao longo de 10 anos) não fez a sua parte. Pelos acordos, a Funai deveria elaborar e apresentar anualmente à Vale os projetos discutidos com os indígenas e a empresa liberar os recursos em tempo hábil e após a devida prestação de conta. Provavelmente, aqui se deu o engodo!

Nesse empurra-empurra, fica patente que as duas instituições querem se beneficiar e desresponsabilizar ao mesmo tempo, quando isso lhes convém. A Funai, de um lado, precisa da grana da Vale - também porque utiliza boa parte do montante para gastos internos e ‘custeios administrativos’, - e a Vale, do outro, precisa da autarquia federal porque lhe permite aparecer como permanente benfeitora generosa dos índios.

A Vale, que no final dos anos ’90, desconfiada da transparência e da seriedade administrativa da Funai na aplicação dos seus recursos havia suspenso os repasses ao órgão federal, acabou tendo que reatar as relações em virtude da pressão indígena. Agora, a Vale faz o repasse técnico e não se sente responsável em monitorar e fiscalizar a correta aplicação de recursos que, afinal, não passam de propina para manter quietos os rebeldes e imprevisíveis indígenas.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

" A única tentação de Jesus" - É quaresma de superação!

Muito oportunamente a igreja escolheu o tema da economia relacionada à vida em ocasião da Campanha da Fraternidade de 2010. Não é para menos. Crises financeiras abalando mercados e bolsas de valores, mas, sobretudo, empobrecendo famílias, desempregando pessoas e criando um clima de ‘salve-se-quem-puder’. Tudo isso vem ocorrendo por uma forte componente que parece impregnar o novo DNA humano: a fome e sede de possuir e dominar, de comprar e consumir.

É evidente que não nascemos com esse tipo de fome e sede, mas nos tornamos famintos e sedentos de ter e consumir a partir de hábitos culturais que nos são impostos ainda em tenra idade. Respiramos desde cedo a ânsia/pulsão de comprar e ter como ‘nosso’ qualquer coisa que nos é apresentada como essencial para a nossa felicidade humana e profissional, mesmo sabendo que não passa de um bombardeio de propaganda barata. A não aquisição e posse ‘disso e daquilo’ parece nos isolar do resto do mundo e fere mortalmente a nossa auto-estima. Sem falar no fato que poder comprar e consumir nos faz sentir mais cidadãos, incluídos definitivamente no mercado que, agora, é identificado como ‘cidadania’.

O diabo levou Jesus para um alto monte e mostrou-lhes todas as suas posses e depois de Jesus ter admirado tudo o diabo lhe disse:’ Tudo isso será seu se você se prostrar e me adorar’! Talvez esta tenha sido a pior tentação de Jesus contra a qual teve que resistir e lutar ao longo de toda a sua vida: não reconhecer e não adorar o ídolo/senhor que manipula e dirige a pulsão do ter/possuir. Jesus havia percebido que o diabo (do grego: dia-balein = aquele que dispersa, que desarruma) com a sua solicitação estava querendo minar/desarrumar o cerne da sua existência, os seus valores e projetos de vida. Tudo parece ser originado da relação que construímos com os bens que vemos, possuímos e consumimos. Ou seja, a depender de como nos relacionamos com os ‘bens e as mercadorias’ seremos pessoas livres ou escravas, dependentes ou autônomas, necessitadas de reconhecimento público ou pessoas altivas e conscientes daquilo que somos.

Quando falamos em economia frequentemente nos detemos quase que unicamente naqueles aspectos mais técnicos que dizem respeito às relações de mercado, transações comerciais, investimentos, aplicações, especulações, taxas e impostos, produção, distribuição e consumo de mercadorias. A economia é muito mais que isso. Ela, independentemente de como é direcionada e estruturada, revela sempre as profundezas do coração humano. Ela escancara ambições, carências materiais e afetivas, complexos de culpa, de inferioridade/superioridade, de narcisismos e auto-afirmações de todo tipo. Mas, justamente por isso, a economia pode revelar também a nossa capacidade de superar tudo isso, e mostrar que é possível instaurar não somente uma nova ordem social universal mais equânime, mas um novo ser humano, mais livre, sensível, aberto e generoso.

Jesus, ao longo de toda a sua vida (40 dias = sempre!) teve que se impor sistematicamente ao ‘diabo que tinha dentro dele’ e lhe ordenar com vigor de se afastar dele sendo que era preciso adorar única e exclusivamente Aquele que havia criado e disposto ‘todos os bens’ a serviço de toda a humanidade, e não somente em favor de alguns. Nesse sentido, Jesus vai na contramão de quantos pensam que ao possuir bens/mercadorias/prestígio estariam se sentindo seguros e controlando a situação. Ao contrário, eles ostentam a sua própria dependência e fraqueza em não saber utilizar os ‘bens desse mundo como se não os tivessem....’ ou de forma mais radical a sua incapacidade de ‘vendê-los e socializá-los com os pobres’ para que possam uns e outros construirem juntos o Reinado de Deus’!



PS - Quero homenagear hoje o nosso querido Ir. Rodolfo Fasolo que nos deixou fisicamente, ontem, em Teresina, situando-se definitivamente junto do Pai. Aos 92 anos de vida, esse comboniano que esbanjava entusiasmo e vontade de viver, deixou de viver com intensidade essa longa aventura terrestre deixando-nos um legado de doação, despreendimento e concretude que as novas gerações parecem não mais possuir. A ti, irmão vô, um grande abraço, e muito obrigado pela sua presença entre nós aos longo desses anos!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

AS BEM-AVENTURANÇAS: A APOSTA DE DEUS NOS INDIGENTES PARA MANIFESTAR A SUA " REALEZA", OU SEJA, O SEU MODO DE GOVERNAR A HUMANIDADE! (Lc.6, 17. 20-26)

Às vezes podemos nos sentir tomados por sentimentos de revolta ou de paz interior ao lermos as bem-aventuranças de Jesus segundo a versão de Lucas. Depende de qual contexto as lemos e meditamos. Depende dos interesses e projetos pessoais ou grupais que temos a salvaguardar ou a realizar. Depende, enfim, da nossa transparência interior em saber interpretar e incorporar com a maior fidelidade possível o ‘contexto social e teológico’ do próprio Jesus histórico (lá onde é possível!) e das comunidades de Lucas para quem ele escreve.
Podemos, de fato, nos indignar intimamente ao constatar que os pobres ainda hoje continuam de mãos vazias e que os que seqüestram bens e oportunidades continuam a tripudiar cinicamente. Podemos, ao mesmo tempo, nos refugiar numa falsa paz interior achando que ainda não chegou a hora de Deus para fazer justiça aos indigentes desse mundo. Podemos, enfim, achar que todos somos pobres, - nem que seja, espiritualmente - e que todos, afinal, somos destinatários das bem-aventuranças divinas! Isso nos consola e dá paz!

É evidente que Lucas está produzindo teologia e não crônica histórica ao relatar as ‘suas’ bem-aventuranças, mas isto não significa que ele esteja manipulando ou deformando uma realidade histórica concreta. Da mesma forma age Mateus em ‘suas’ bem-aventuranças que, a primeira vista, divergem significativamente das de Lucas.
De fato, para Mateus, Jesus proclama as bem-aventuranças sobre um monte, e Lucas numa planície. Mateus lista oito bem-aventuranças e Lucas somente quatro. O primeiro só cita bem-aventuranças, mas o segundo faz corresponder a cada uma dela uma maldição. O primeiro fala em ‘pobres em espírito’, já o segundo se dirige a ‘ vós, os pobres’, de forma direta e sem espiritualismos, o que é típico de Lucas.
O que nos interessa é que os dois estão fazendo emergir um dado histórico inequívoco: Jesus iniciou a sua força-tarefa missionária libertária por causa daqueles setores sociais mais excluídos da Palestina apostando neles para construir uma nova sociedade nacional e, principalmente, um novo jeito de ser humanidade, o que expressaria a realeza de Deus. Ou seja, através da sua opção e aposta nos indigentes da Palestina como atores históricos e não como meros comparsas sociais, o Galileu queria manifestar publicamente que o próprio Deus (nacional) teria feito a mesma escolha que Ele!
Ao longo dos séculos sempre houve tentativas de ‘universalizar’ os sujeitos das bem-aventuranças e ‘adocicar’ as maldições dirigidas aos geradores da pobreza, no intuito de enfraquecer o vigor profético daquelas proclamações. Isto persiste até hoje, inclusive dentro da própria igreja, que não foge aos condicionamentos e aos interesses corporativos.
Lucas, de forma persistente, parece nos lembrar que esta foi a opção racional do Jesus histórico, a respeito da qual não cabe dúvida. A aposta de Jesus, afinal, seria o fruto da sua leitura histórica da situação de desigualdade e injustiça que havia na Palestina. Com isso, para Jesus, os indigentes (em grego, ptokói) deviam assumir o processo histórico de construir e conduzir o novo jeito de ‘governar de Deus’ dando um ‘chega pra’ lá’ para aqueles que os humilham sistematicamente.
As assim chamadas maldições ‘ai de vós....’ aos ‘produtores de miséria social e econômica’ não são formas punitivas ou vingativas, de caráter justiceiro, mas um alerta e uma constatação de quanto já lhes vem acontecendo ao agirem daquela forma desumana. Ao mesmo tempo representam uma clara manifestação da definição do lugar social no qual Jesus se coloca para alavancar o seu projeto sócio-religioso.
Nesse sentido, as bem-aventuranças não se constituem como um ‘discurso ou sermão’ único, circunstancial, pronunciado por Jesus de forma pontual numa planície ou numa montanha, uma vez por todas, e sim, representa a síntese da trajetória metodológica e do público-alvo que escolheu globalmente ao longo da sua missão. Tampouco, são proclamas programáticos do que haverá de vir num futuro próximo ou remoto para uns ou para outros. Ao contrário, são um reconhecimento público do que já está ocorrendo, e é um claro incentivo dirigido aos que seguiam permanentemente Jesus em suas viagens pelas aldeias da Palestina: ‘os pobres, os indigentes’.
Afinal, eram os únicos que tinham interesse em mudar e acreditar que era possível construir e esperar algo diferente para eles. De alguma forma o itinerante mestre palestino estava dizendo àquela massa de gente desesperada e sem perspectivas que era possível recobrar esperança, que tinha força para mudar, que Deus estava do lado deles e não ‘dos outros’, e que uma nova realidade já havia iniciado e estava no meio deles. Era só comprovar!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

IRMÃ DOROTY STANG. CINCO ANOS DE PRESENÇA VIVA NO CORAÇÃO DA AMAZÔNIA

Texto produzido por Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu

Cinco anos passaram desde aquele fatídico sábado em que Rayfran e Clodoaldo, empregados de Tato, cruzaram o caminho da Irmã Dorothy, não para cumprimentá-la, mas para executar o sinistro plano, há tempo concebido pelo consórcio do crime, e cumprir o nefasto papel de matar a Irmã que dedicou toda a sua vida aos pobres. Os pobres de hoje não são apenas uns explorados e oprimidos. São excluídos, expulsos da sociedade e da terra por serem considerados supérfluos" (cf. DAp 65). Irmã Dorothy fez a opção de sua vida exatamente por essas pessoas, por essas famílias "sem eira nem beira", desprezadas e maltratadas, sem perspectivas num mundo em que perderam sua pátria.

Foi aos pobres, que Deus assegurou seu amor incondicional e preferencial. As palavras do profeta Jeremias calaram fundo no coração de Dorothy: "Ponde em prática a justiça e o direito, livrai o oprimido das mãos do opressor, nunca prejudiqueis ou exploreis o migrante, o órfão e a viúva nem jamais derrameis sangue inocente no país" (Jer 22,3). Dorothy não apenas acompanhou as famílias de Anapu e da Transamazônica na busca de seus direitos e defendeu seus interesses, peregrinando de repartição em repartição, procurando falar com prefeitos, vereadores, deputados, senadores. Dorothy fez e foi muito mais: Ela amou! E esse amor fez vibrar cada uma das fibras de seu coração. Ela foi mãe, foi irmã, foi filha de seu povo! Dorothy nos lembra a passagem tão sugestiva na primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses: "Apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade, como u'a mãe que acaricia os seus filhinhos. Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos" (1 Tes 2,7-8).

Naquela manhã de sábado, 12 de fevereiro de 2005, ela testemunhou "o evangelho de Deus", derramando o seu próprio sangue. Foi morta porque amou sem medida, foi trucidada porque entendeu que seu lugar era "ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas" foi assassinada porque abraçou "a justiça e o direito" e lutou para livrar "o oprimido das mãos do opressor" (Jer 22,3), foi eliminada do meio do povo pobre porque contrariou os interesses e ambições de "gente que se considera poderosa", como ela mesma costumava expressar-se.
Cinco anos passaram! Cinco anos, também repletos de tramas e trâmites judiciais. Prisões efetuadas com grande alarde, sentenças condenatórias solenemente proferidas e com a mesma solenidade anuladas, pedidos de habeas corpus deferidos e liberdade provisória concedida. Sempre novas versões do crime, chegando até ao cúmulo absurdo de transformar a vítima em ré, alegando legítima defesa.

Há poucos dias um dos acusados é preso outra vez. Foi condenado a 30 anos e absolvido em um segundo julgamento. Agora outro recurso consegue anular o veredicto anterior e o fazendeiro recebe novamente voz de prisão. E a imprensa divulga o fato como se fosse a prova mais convincente de que a Justiça funciona. Só tem um detalhe! Nós todos já estamos saturados de tais notícias. Em breve, algum advogado experto vai achar outra brecha na legislação e o homem conseguirá mais um alvará de soltura para acrescentar à sua coleção.

E o consórcio do crime? Nada mais tem a temer! A poeira há tempo sentou. Afinal, já há quem responde pelo homicídio! Por que procurar outros para submetê-los a processos complicados? Por que investigar a quem já não quer lembrar-se de nada? E aqueles que de longa data prepararam o terreno e o ambiente para que a irmã fosse morta? Agora negam tudo! Há pessoas que andaram de cima para baixo com a Dorothy e com ela comeram farofa na casa da Prelazia. Hoje estão do outro lado! Habilitaram-se a jogar no time adversário! É o salmo 41 bem atualizado: "Até meu amigo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou o calcanhar contra mim" (Sl 41 (40),10).

Neste ano de 2010, o mês de fevereiro, em que Irmã Dorothy foi assassinada, ganha mais uma razão para tornar-se histórico. A Amazônia que Dorothy tanto defendeu e pela qual doou sua vida, recebe mais um golpe, desta vez de proporções que ainda nem sequer podemos vislumbrar. O Presidente da República me prometeu pessoalmente a continuação do diálogo sobre o projeto Belo Monte. No dia primeiro deste mês o Ibama tornou pública a licença prévia para que o Xingu fosse barrado. 1522 km2 de destruição à vista: 516 km2 de área inundada e 1006 km2 de área deteriorada porque faltará água!
Todas as 40 condicionantes que a Licença Prévia elenca para serem observadas pela empresa que sairá vitoriosa no leilão, nada mais são que uma confissão pública do Governo que o projeto, se for executado, terá consequências desastrosas. Ao exigir um bilhão e meio de reais em projetos para mitigar os efeitos, o próprio Governo admite de antemão que Belo Monte causará um terrível e irreversível impacto sobre a Amazônia. Onde já se viu tanto esmero para atenuar sequelas antes de iniciar a obra? É a prova cabal de que o próprio Governo sabe que está dando um tiro no escuro. Até esta data, o Ibama nem sequer conseguiu identificar a abrangência e intensidade dos impactos. Como esse órgão então pode realmente atestar a viabilidade de Belo Monte?

Lamentavelmente, quem sofrerá os trágicos efeitos não serão os tecnocratas em Brasília e políticos míopes, mas os povos desta região da Amazônia. O Xingu nunca mais será o mesmo. O solo será danificado, a floresta devastada e das águas turvas e mortas emergirão apenas os esqueletos esbranquiçados das outrora frondosas árvores. É a política do rolo compressor, é a tática do fato consumado, é o método do autoritarismo que não aceita contestação!

.... Nosso caminho é aquele traçado pelo Evangelho. Somos enviados por Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres e denunciar o que se opõe ao Evangelho da Vida, para quebrar as algemas da opressão e tirania, para defender o lar que Deus criou para todos nós e as futuras gerações, e proclamar um ano de graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).

CF-2010 - O 'rico Epulão' VALE e as migalhas dos 'Lázaros'

Transcrevo abaixo parte do relatório que o Departamento das Relações com os Investidores da VALE apresentou a respeito do desempenho do colosso da mineração ao longo de 2009. Não há o que comentar. Só ler e contemplar essa máquinha que gera lucro, oportunidades, investimentos e....blá, blá, blá, mas que omite os desastres ambientais, os conflitos trabalhistas, os inúmeros e incontáveis acidentes de trabalho, os atropelamentos da sua 'Maria Fumaça' nesse esquecido Maranhão e pelo mundo afora! O verde-amarelo da VALE tinge-se sempre mais de...vermelho!
Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2010 –
A Vale S.A. (Vale) apresentou sólido desempenho operacional e financeiro em 2009. Foi um ano de grandes desafios derivados da grande recessão causadora de um dos raros episódios de contração da economia global nos últimos 140 anos de história econômica moderna. Como produtora de minérios e metais, a Vale tem como clientes empresas industriais, cujo setor de atividade se constitui no ramo mais cíclico da economia, e portanto no mais sensível às recessões.
Nesse contexto, como somos efetivamente o único fornecedor global de minério de ferro, atendendo a clientes em todos os continentes, fomos especialmente afetados pela queda em intensidade sem precedentes da utilização de capacidade da indústria do aço nas Américas e Europa, regiões onde a siderurgia sofreu impacto negativo mais significativo. Se, de um lado, as crises econômicas geram sérios efeitos negativos sobre a performance das empresas, de outro elas costumam gerar oportunidades extraordinárias para aquelas companhias que privilegiam a mudança e a transformação estrutural.
A Vale alavancou suas vantagens competitivas - portfólio de ativos de classe mundial com baixo custo de produção, saúde financeira lastreada num balanço sólido e ampla liquidez, disciplina na alocação de capital, mão-de-obra altamente qualificada e motivada e o espírito empreendedor – para lançar várias iniciativas bem sucedidas para torná-la mais forte no futuro, visando a redução de custos em base permanente e o aumento de eficiência. Nenhum projeto de investimento foi cancelado, novas opções de crescimento e geração de valor foram identificadas, e a capacidade de inovar foi fortemente estimulada. Apesar das dificuldades normalmente causadas por uma recessão, nossa reação foi importante para fortalecer nossa capacidade de criar valor de maneira sustentável para os acionistas.

Os principais destaques do desempenho da Vale em 2009 foram:

• Receita operacional de R$ 12,0 bilhões no 4T09 (Quarto Trimestre), totalizando R$ 49,8 bilhões em 2009.
• Lucro operacional, medido pelo EBIT (lucro antes de juros e impostos), de R$ 2,3 bilhões no 4T09 e R$ 13,2 bilhões em 2009.
• Margem operacional, medida pela margem EBIT, em 2009 de 27,2%. No 4T09, margem EBIT de 19,3%.
• Geração de caixa, medida pelo EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 18,6 bilhões em 2009. EBITDA atingiu R$ 3,7 bilhões no 4T09.
• Investimento em crescimento orgânico e manutenção alcançou US$ 9,0 bilhões em 2009
• Investimento de US$ 796 milhões em responsabilidade social corporativa em 2009, dos quais US$ 580 milhões foram gastos em proteção e conservação do meio ambiente e US$ 216 milhões em projetos sociais.
• Remuneração ao acionista de US$ 2,75 bilhões em 2009.
• Forte posição financeira, apoiada em um expressivo caixa de US$ 11,0 bilhões, disponibilidade de linhas de crédito de médio e longo prazos e endividamento de baixo risco.

(Fonte: Departamento de Relações com Investidores da Vale)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Walter Rodrigues, enfim, joga a máscara!

O jornalista e blogueiro Walter Rodrigues jogou finalmente a máscara e se revela pelo que efetivamente sempre foi: um arrogante e um a-moral. Para comprovar isto é só ler as respostas que ele reservou para aqueles leitores que ousaram solicitar alguns esclarecimentos a respeito de uma pesquisa eleitoral para a corrida ao governo do Estado do Maranhão. A pesquisa que foi realizada no dia 20 de dezembro de 2009 e devidamente chancelada, foi ‘requentada’ por ele e outros blogueiros deixando a entender que era recente. Ao serem alertados e questionados que não havia nenhuma pesquisa registrada naqueles dias no TRE/MA e na própria CNT/SENSUS, autora da pesquisa, eles retiraram a postagem. Em momento algum, entretanto, assumiram o 'deslize' da postagem de ‘boa fé’ (?).
O jornalista nunca admitiu que havia reproduzido 'ipso facto' a matéria de outros informantes sem ter checado a sua veracidade, como, de fato, aconteceu. Ao contrário, como resposta a quantos exigiam uma justa reparação o Sr. Walter Rodrigues responde em seu blog com ofensas explícitas e expressões chulas que mais se condizem a perturbados e necessitados de ajuda psiquiátrica. Pena, pois em lugar de manter um alto nível e contribuir para aprimorar os processos de checagem das informações de terceiros consagrando também o direito ao contraditório, - pois ninguém o havia insultado ao divergir, - o suposto profissional da informação escolheu a vala comum de quantos perderam o latim: desqualificar e xingar os seus críticos. Não agüentar o conflito e perder o equilíbrio emocional no momento da pressão é claro sinal de imaturidade ou de paranóia. Espero que não seja uma jogada de marcketing para 'relançar' o seu blog, talvez pouco visitado, achando que ao agredir os leitores a sua mercadoria poderá vender um pouco mais!
Já retirei da minha estrela ‘favoritos’ o blog dele e espero que a deputada Helena Huley e o SINDESEP que o ‘patrocinam’ retirem o quanto antes os seus respectivos logos que o blogueiro exibe no lado direito do blog. Seria mau negócio associar a própria imagem a um jornalista que não respeita quem diverge. Aconselho que outros leitores façam o mesmo. Afinal, aquele blog não vai acrescentar nada de novo para entender a realidade em que vivemos.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Professor Wagner Cabral denuncia a farsa da pesquisa eleitoral para a corrida ao governo do Estado

O historiador e cientista político Wagner Cabral (UFMA) denunciou, hoje, mediante a carta aberta ' Erraram a verdade. A estória de uma pequena farsa' uma tentativa por parte de alguns setores da imprensa maranhense, - notadamente os blogs de Walter Rodrigues e Marcos d’Eça, e os diários O estado do Maranhão e O Imparcial - de ‘vender’ por verdadeira uma pesquisa eleitoral da CNT/SENSUS para o governo do estado do Maranhão que, provavelmente, nunca houve. Os blogueiros acima citados publicaram no dia 04 e no dia 05 de fevereiro, respectivamente, uma suposta pesquisa em que a atual governadora do Estado estaria com uma vantagem abismal sobre os outros dois possíveis candidatos, a saber, Jackson Lago (PDT) e Flávio Dino (PCdoB).
O prof. Wagner atento à informação solicitou ao jornalista Walter Rodrigues alguns esclarecimentos após ter constatado que nenhuma pesquisa havia sido publicada no site da Sensus e que nenhuma pesquisa para o governo do estado havia sido depositada no Tribunal Regional Eleitoral como exige uma lei específica que entrou em vigor a partir do dia 01 de janeiro de 2010 (Resolução TSE 23.190, de 16/12/2009, artigos 1º e 9º,). Além disso o professor Cabral havia notado que o número de protocolo da pesquisa reproduzido no blog do jornalista da Imirante era o mesmo da pesquisa nacional para a corrida presidencial...o que nada tinha a ver com a suposta corrida ao governo do Estado.
O que o professor da UFMA encontrou na sua investigação junto ao TSE foi somente a pesquisa relativa à eleição presidencial e nada mais. Solicitou, portanto, ao jornalista WR que dissesse o período em que havia sido feita a pesquisa para o governo do Estado, quem a havia encomendado, qual a metodologia adotada, etc. Como resposta, entretanto, veio a retirada da matéria nos dois dos blogs, seja por parte de Walter Rodrigues bem como por parte de Marcos d’Eça, e uma resposta de mum dos jornalistas que tenta desqualificar intelectualmente o professor Cabral.
Até o presente momento a sociedade maranhense fica sem saber se efetivamente houve a tal pesquisa eleitoral, ou se foi uma farsa para induzir os eleitores em seu processo de discernimento. Evidentemente, se houve a pesquisa, não há interesse algum neste momento em sustentar a sua existenência e publicá-la, haja vista que os autores poderiam ser punidos por terem agido ilegalmente. De fato, em caso de existência da pesquisa, por não ter sido devidamente depositada no TRE os autores podem ser presos (pena de até 6 meses de reclusão) ou multados em até R$ 53.000,00 como determina a lei.
Se a pesquisa inexiste - e de má fé foi associada à pesquisa nacional presidencial, para dar um suposto maior amparo legal, - o que é provável (Marcos d’Eça utiliza o mesmo protocolo da nacional), - é ainda mais grave, pois revela que ‘o vale tudo eleitoral’ já começou prá valer, e o tom da campanha eleitoral no Estado já está dado.
Pede-se, agora, que o Ministério Público Eleitoral investigue quanto foi publicado e retirado (mas foi publicado!!!), - e puna exemplarmente todas as tentativas de macular e tumultuar os processos democráticos mediante as manipulações e os atentados à livre, ampla e correta informação. Que não se repita no 2010 o que ocorreu em 2008 nesse Estado!

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Lc.5,1-11 - Abandonar a lógica do custo-benefício e jogar as redes da solidariedade nas águas profundas e turvas da vida!

Lucas nos apresenta através do cenário da pescaria do lago de Genezaré a realidade da primeira comunidade cristã, cerca de 30 anos após a morte de Jesus de Nazaré. Não há nenhuma intenção de apresentar um Jesus milagreiro e poderoso, e sim fazer emergir o Pedro missionário diante dos desafios da evangelização. Pedro havia 'pescado' - justamente como convém a um pescador profissional, - durante a noite. Nada havia conseguido. A lógica de Pedro é desafiada quando Jesus pede que se afaste da beira, avance para águas mais profundas e pesque de dia. Tudo o contrário daquilo que havia feito até então. O resultado foi uma pescaria super-abundante.
Aqui está um princípio adotado pelo Jesus de Nazaré histórico: cuidar das ovelhas perdidas, impuras e rejeitadas de Israel, indo contra a lógica farisaica de amar somente o 'próximo' ou seja, quem vive ao seu lado, os seus conterrâneos e familiares. Jesus provoca a lógica de Pedro ao convidá-lo a investir naquelas situações e circunstâncias desconhecidas e que produzem medo e incerteza. Ao mesmo tempo o provoca ao não exigir dele fé absoluta. Jesus aceita Pedro com suas dúvidas e temores. Só exige coragem para jogar as redes num território que lhe é desconhecido. É justamente aí, que muitas vezes, de forma supreendente, colhem-se frutos abundantes e inéditos.
Acredito que hoje a igreja é chamada a acolher a mesma lógica e metodologia de Jesus de Nazaré e de Pedro. Este, afinal, concretizou a lógica de Jesus ao mergulhar nas águas profundas do império Romano, em Roma. A igreja, hoje, parece vítima ainda do príncipio e lógica perversa da relação custo-benefício. Investe preferencialmente naquelas situações em que vislumbra retorno para ela, seja em termos de novas adesões, prosélitos, reconhecimento público, recursos. Ela acaba deixando de lado aquelas realidades que ela não 'domina', não conhece e que a assustam.
Pensemos por um instante a realidade de numerosas periferias urbanas, mergulhadas na violência mais brutal. Uma violência que não é produzida somente por setores sociais que supostamente vivem à margem do mercado e do estado, mas é produzida também pela iniquidade e negligência do próprio estado. Uma violência que vem matando a capacidade de resistir e de lutar de muitos cidadãos e cidadãs que já não acreditam mais que seja possível humanizar a cidade. É nessas águas turvas e profundas, na fulgurante luz do dia, afastada da beira de suas estruturas seguras e poderososas que a igreja é chamada a acolher o convite de Jesus de Nazaré: jogar as redes da paz, da solidariedade, do diálogo, da humanização lá onde ninguém as joga por achar que lá não vai pescar nenhum peixe!