sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

IRMÃ DOROTY STANG. CINCO ANOS DE PRESENÇA VIVA NO CORAÇÃO DA AMAZÔNIA

Texto produzido por Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu

Cinco anos passaram desde aquele fatídico sábado em que Rayfran e Clodoaldo, empregados de Tato, cruzaram o caminho da Irmã Dorothy, não para cumprimentá-la, mas para executar o sinistro plano, há tempo concebido pelo consórcio do crime, e cumprir o nefasto papel de matar a Irmã que dedicou toda a sua vida aos pobres. Os pobres de hoje não são apenas uns explorados e oprimidos. São excluídos, expulsos da sociedade e da terra por serem considerados supérfluos" (cf. DAp 65). Irmã Dorothy fez a opção de sua vida exatamente por essas pessoas, por essas famílias "sem eira nem beira", desprezadas e maltratadas, sem perspectivas num mundo em que perderam sua pátria.

Foi aos pobres, que Deus assegurou seu amor incondicional e preferencial. As palavras do profeta Jeremias calaram fundo no coração de Dorothy: "Ponde em prática a justiça e o direito, livrai o oprimido das mãos do opressor, nunca prejudiqueis ou exploreis o migrante, o órfão e a viúva nem jamais derrameis sangue inocente no país" (Jer 22,3). Dorothy não apenas acompanhou as famílias de Anapu e da Transamazônica na busca de seus direitos e defendeu seus interesses, peregrinando de repartição em repartição, procurando falar com prefeitos, vereadores, deputados, senadores. Dorothy fez e foi muito mais: Ela amou! E esse amor fez vibrar cada uma das fibras de seu coração. Ela foi mãe, foi irmã, foi filha de seu povo! Dorothy nos lembra a passagem tão sugestiva na primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses: "Apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade, como u'a mãe que acaricia os seus filhinhos. Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos" (1 Tes 2,7-8).

Naquela manhã de sábado, 12 de fevereiro de 2005, ela testemunhou "o evangelho de Deus", derramando o seu próprio sangue. Foi morta porque amou sem medida, foi trucidada porque entendeu que seu lugar era "ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas" foi assassinada porque abraçou "a justiça e o direito" e lutou para livrar "o oprimido das mãos do opressor" (Jer 22,3), foi eliminada do meio do povo pobre porque contrariou os interesses e ambições de "gente que se considera poderosa", como ela mesma costumava expressar-se.
Cinco anos passaram! Cinco anos, também repletos de tramas e trâmites judiciais. Prisões efetuadas com grande alarde, sentenças condenatórias solenemente proferidas e com a mesma solenidade anuladas, pedidos de habeas corpus deferidos e liberdade provisória concedida. Sempre novas versões do crime, chegando até ao cúmulo absurdo de transformar a vítima em ré, alegando legítima defesa.

Há poucos dias um dos acusados é preso outra vez. Foi condenado a 30 anos e absolvido em um segundo julgamento. Agora outro recurso consegue anular o veredicto anterior e o fazendeiro recebe novamente voz de prisão. E a imprensa divulga o fato como se fosse a prova mais convincente de que a Justiça funciona. Só tem um detalhe! Nós todos já estamos saturados de tais notícias. Em breve, algum advogado experto vai achar outra brecha na legislação e o homem conseguirá mais um alvará de soltura para acrescentar à sua coleção.

E o consórcio do crime? Nada mais tem a temer! A poeira há tempo sentou. Afinal, já há quem responde pelo homicídio! Por que procurar outros para submetê-los a processos complicados? Por que investigar a quem já não quer lembrar-se de nada? E aqueles que de longa data prepararam o terreno e o ambiente para que a irmã fosse morta? Agora negam tudo! Há pessoas que andaram de cima para baixo com a Dorothy e com ela comeram farofa na casa da Prelazia. Hoje estão do outro lado! Habilitaram-se a jogar no time adversário! É o salmo 41 bem atualizado: "Até meu amigo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou o calcanhar contra mim" (Sl 41 (40),10).

Neste ano de 2010, o mês de fevereiro, em que Irmã Dorothy foi assassinada, ganha mais uma razão para tornar-se histórico. A Amazônia que Dorothy tanto defendeu e pela qual doou sua vida, recebe mais um golpe, desta vez de proporções que ainda nem sequer podemos vislumbrar. O Presidente da República me prometeu pessoalmente a continuação do diálogo sobre o projeto Belo Monte. No dia primeiro deste mês o Ibama tornou pública a licença prévia para que o Xingu fosse barrado. 1522 km2 de destruição à vista: 516 km2 de área inundada e 1006 km2 de área deteriorada porque faltará água!
Todas as 40 condicionantes que a Licença Prévia elenca para serem observadas pela empresa que sairá vitoriosa no leilão, nada mais são que uma confissão pública do Governo que o projeto, se for executado, terá consequências desastrosas. Ao exigir um bilhão e meio de reais em projetos para mitigar os efeitos, o próprio Governo admite de antemão que Belo Monte causará um terrível e irreversível impacto sobre a Amazônia. Onde já se viu tanto esmero para atenuar sequelas antes de iniciar a obra? É a prova cabal de que o próprio Governo sabe que está dando um tiro no escuro. Até esta data, o Ibama nem sequer conseguiu identificar a abrangência e intensidade dos impactos. Como esse órgão então pode realmente atestar a viabilidade de Belo Monte?

Lamentavelmente, quem sofrerá os trágicos efeitos não serão os tecnocratas em Brasília e políticos míopes, mas os povos desta região da Amazônia. O Xingu nunca mais será o mesmo. O solo será danificado, a floresta devastada e das águas turvas e mortas emergirão apenas os esqueletos esbranquiçados das outrora frondosas árvores. É a política do rolo compressor, é a tática do fato consumado, é o método do autoritarismo que não aceita contestação!

.... Nosso caminho é aquele traçado pelo Evangelho. Somos enviados por Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres e denunciar o que se opõe ao Evangelho da Vida, para quebrar as algemas da opressão e tirania, para defender o lar que Deus criou para todos nós e as futuras gerações, e proclamar um ano de graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).

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