segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Francisco de Assis, ou seja, o perene duelo entre carisma e instituição

Levantei pela manhã com um pensamento fixo: dedicar um tempinho para uma reflexão pessoal sobre o sentido do testemunho de Francisco de Assis para mim e para a igreja. Quase passava batido. Encontro-me no momento bombardeado por mil imagens, lembranças, devaneios, escritos e especulações sobre ‘o pobre de Assis’. A tentação é reproduzir nesse espaço uma das muitas e ressabidas ‘mesmices’ que foram escritas e transmitidas sobre ele. Quero, todavia, ensaiar algo, talvez, inusitado e propor a minha reflexão. Francisco, talvez indiretamente, foi quem melhor provocou e escancarou o eterno dilema/duelo entre a dimensão carismática e a tendência compulsiva da instituição em enquadrar e controlar o ‘carisma’. É o perene confronto entre o ‘inspirado’ e a força do ‘legal’. Entre o que vem da liberdade do espírito, - sem normas e regras - e a necessidade de controlar, dominar e institucionalizar o que por natureza é incontrolável. Como, algo que vem do espírito livre de Deus, pode ser reduzido a norma jurídica, a regra, a cânon, e ter que ser reconhecido por humanos que adotam critérios ...humanos? Francisco talvez tenha sido uma das mais ilustres e famosas vítimas do que significou ser ‘movido e convertido pelo espírito do Deus dos pobres’ e ver, ainda em vida, a força das tramas humanas, do cinismo e da mesquinhez se apropriarem do ‘incontrolável espírito’ para petrificá-lo em estruturas e instituições.

Durante a viagem de Francisco para o Egito, em 1219, se consumava nos pequenos conventos que haviam aderido ao ‘espírito/carisma’ de Francisco o primeiro golpe dentro do movimento. Substituir o carisma com a instituição. A liberdade do sopro sempre renovado do espírito com as normas pétreas reconhecidas formalmente pela instituição formal. Francisco percebe o poder humano em ‘ameaçar e matar’ a força do espírito, e se retira. Renuncia a todo tipo de coordenação. Começa a viver fora da comunidade e da instituição. É justamente nesse deserto existencial que reata a sua comunicação com o espírito que outrora o havia chamado e jogado nos braços livres dos invisíveis lázaros de Assis. Ele re-encontra a sua liberdade interior ao deixar ‘seus frades’ disputando cargos e ambições. Morre como um lázaro anônimo qualquer, vítima de hanseníase e cego. Até na hora da sua morte o seu cadáver vira objeto de disputa entre grupos e frades, talvez vendo na sua apropriação uma fonte de lucro. Hoje, dia 4 de outubro, invoco o espírito que inspirou o indomável Francisco para que continue inspirando e enviando homens e mulheres livres de leis, normas e regras!

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