sábado, 24 de setembro de 2011

A vontade do Pai só na coerência de vida e não nas formalidades ostensivas (Mt.21,28-32)

Um círculo perfeito, parecido ao astro maior que ilumina e aquece a Gaia/terra. Um círculo que irradia equilíbrio e luz aos numerosos caminhos, verdadeiros raios, que das casas – dispostas em forma circular - convergem ao pátio central. Ao núcleo onde os homens se reúnem. No ‘espaço sagrado’ onde encontram luz e sabedoria para debater, avaliar, planejar, e decidir. Nesse espaço central de convergência e de irradiação ao mesmo tempo, os homens partilham também bens e saberes. Trocam e emprestam. Mediam conflitos e ‘conspiram’ contra quem ameaça a harmonia do povo Kanela. É a aldeia Escalvado dos índios Kanela Ramkokamekrã, municípío de Fernando Falcão, Maranhão. Cerca de 2.000 pessoas vivendo na mesma aldeia. Algo espantoso! Ontem, os visitei com um amigo sacerdote de Barra do Corda. Hoje, pensei neles ao refletir sobre a narração evangélica hodierna.

Eis aqui, pensei, um povo que nunca disse ‘sim’ ao convite a aderir a uma igreja cristã. A adotar os seus preceitos e dogmas. A adentrar em seus espaços sagrados para adorar um deus que, afinal, já estava no templo imenso do seu coração e da natureza que os hospeda e protege. Um povo que jamais disse ‘não’ ao convite de reproduzir em suas relações sociais e religiosas a solidariedade, a partilha e a justa distribuição dos bens, a atenção ao mais frágil, e a capacidade de construir junto ao outro. Para re-construir, no seu cotidiano, mais ‘sóis’ e mais luz solar para combater as espessas trevas que estão a se abater sobre eles. Sol e lua, noite e dia, luz e sombra, sim e não, constituem o conteúdo dos mitos e da prática desses povos macro-jê, a quem os Kanela pertencem. Eles expressam com seus corpos, com suas estruturas físicas, com suas complexas organizações e subdivisões as dinâmicas da vida: vida e morte, essência e aparência, alegria e dor. Um evangelho da vida não escrito, não dito, não falado. Mas manifesto pelos gestos, pelas opções, pelo ser/agir. Tal como a parábola de hoje.
No evangelho de hoje, com efeito, Jesus caracteriza as atitudes de quem compreendeu a essência da vida, e de quem se move condicionado pelas aparências. De quem age por coerência e fidelidade a um projeto de vida, e a um conjunto de valores; e de quem se preocupa com formalidades e aparências, achando que nelas está a sua segurança e realização. Jesus, na prática, desenvolve as mesmas posturas dos ‘arrogantes operários’ da ‘primeira hora’ da narração de domingo passado. Achavam que por ter aderido desde cedo ao convite de Deus tinham mais direitos que os da ‘última hora’. Hoje, Jesus nos diz que essa adesão ‘inicial’ que alguns ostentam pode ser só aparente. Da boca para fora. Não como resultado de uma opção livre e consciente, e sim como formalidade que em nada transforma. Ao passo que outros da ‘última hora, aparentemente parecem negar e rejeitar o convite a construir o reinado de Deus, mas o acolhem e a ele aderem na prática, na essência. Ou seja, nas suas opções éticas, no seu agir real, histórico.

São esses ‘filhos rebeldes’ que parecem ignorar a vontade do Pai que ajudam os ‘filhos aparentemente obedientes’ a compreender a vontade de Pai. Esta, de fato, não está num conjunto de formalidades e de belas profissões públicas de fé, ou na obediência ostensiva a preceitos e normas cultuais. Mas no cumprimento efetivo da vontade do Pai: proteger e zelar a sua vinha/reinado, construir nela mais luz. Abrir novos raios/caminhos para que possa convergir sempre mais gente, e com mais intensidade, ao núcleo/pátio onde se vive e se partilha sabedoria e fraternidade.

 

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