sexta-feira, 26 de outubro de 2012

'Bartimeus' que querem enxergar a luz nas trevas da vida! (Mc.10, 46-52)

Milhões de seres humanos, hoje, vivem ás margens de tudo. À margem da participação social, política e do bem-estar básico. À margem até de si. Acham que não são dignos ou não estão à altura de oferecer algo para outros seres humanos. Sentem-se incapazes de serem instrumentos - mesmo frágeis, - de transformação, seja ela qual for. São seres cortados, definidos pelos bem-pensantes como ‘pessoas sem identidade’, ‘lixo ou escória social’. São os ‘Bartimeus’ dos nossos dias. ‘Bartimeus cegos’ porque ninguém os enxergou como pessoas presentes no caminho que todos são chamados a percorrer. O caminho da existência humana. Bartimeus que se tornaram cegos porque nunca foram olhados com amor, com respeito, com estima. E por isso, eles mesmos, não apreenderam a olhar para si dessa forma. Há, portanto, nos nossos dias, uma cegueira que é uma matriz geradora de infinitas outras formas de cegueiras de toda ordem. Constitui-se um ciclo vicioso que exige uma interrupção radical e corajosa. Sim, corajosa, pois também o 'cego' acaba se adequando e conformando com sua própria cegueira, - mesmo que gerada por outros, ou por achar que ela é natural, que é ‘de nascença’. Jesus, na narração hodierna de Marcos, é aquele que interrompe e quebra a espiral da cegueira social, política, econômica e religiosa condensada e simbolizada por Bartimeu. O relevante no evangelista é a formulação e a descrição didática das várias etapas de um processo humano e místico que deveria levar todos os Bartimeus a alcançar a luz plena. O caminho para poder nos enxergar como gente que tem valor e luz própria, e que pode superar todo tipo de cegueira.
Primeiro passo: identificação e descrição da pessoa que não enxerga: Bartimeu, filho de Timeu, mendigo,cego de nascença. Na identidade inicial descrita por Marcos não se apresentam os elementos positivos que caracterizam aquele cidadão, mas ao contrário, coloca-se como central um handicap, uma deficiência. Quase a dizer que ele, ‘Bartimeu’ e nós, muitas vezes, somos identificados mais pelos nossos defeitos do que pelas nossas virtudes. Relacionado a isso há uma descrição de caráter social, mesmo que pareça geográfico: Bartimeu está à beira do caminho, da estrada. À margem de um caminho que é percorrido por numerosas massas, mas que é fechado e inacessível para o cego Bartimeu. O seu lugar social é a margem, não o centro. É nela que ele tem que se deslocar e viver. E não queira ele romper o que a natureza, ou Deus, estabeleceu! Assim os falsos videntes achavam.
O segundo passo para enxergar a luz e o conhecimento pleno é saber identificar quem tem olhos, poder e ousadia para nos libertar das nossas trevas interiores. Das nossas cegueiras que nos impedem de nos ver como iguais, com valores e potencialidades. Bartimeu ‘enxerga’ na proposta e no jeito de Jesus de Nazaré aquele que pode libertá-lo de suas trevas, e grita por compaixão. A não conformação de Bartimeu com sua cegueira, e o seu grito de fé na pessoa de Jesus, parecem sacudir os demais cegos que achavam que enxergavam, e que acabam se tornando veículos facilitadores do encontro dele com Jesus.
O terceiro passo é a decisão firme e consciente de Bartimeu de ‘levantar-se’ para ir até o Mestre. O ‘levanta-te’ dirigido a Bartimeu, após o consentimento de Jesus em encontrá-lo, manifesta o firme desejo e propósito de ele não mais ficar se arrastando desanimado e humilhado à beira da estrada. Ele tem que saber se levantar e, nesse caso, sem a ajuda de ninguém, pois deixar a margem para ir ao centro da estrada onde está Jesus é uma decisão e opção pessoal. Algo que só Bartimeu pode fazer, de forma livre e consciente!
A quarta etapa é o encontro pessoal e a convivência do cego Bartimeu, - já consciente da origem não natural de sua cegueira e desejoso da sua superação, - com o próprio Jesus. É no encontro com o Mestre que Bartimeu não somente recupera a vista, mas adquire uma nova consciência de si. Com Jesus ‘os Bartimeus’ descobrem que eles/as são pessoas de fé. Que não são uma massa de cegos conformados com a escuridão da vida produzida por falsos videntes. Que a iniciativa de correr atrás por luz e libertação foi deles. Que, afinal, com o encontro com Jesus a sua nova identidade não será mais caracterizada pelos seus defeitos, mas pela sua capacidade de exigir compaixão, de ter fé e coragem mesmo quando a escuridão das trevas não deixa filtrar a luz que está sempre ao nosso alcance. Só se abrindo integralmente ao jeito de Jesus para poder enxergar, e fazer os outros enxergarem!

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