quarta-feira, 20 de março de 2013

Kanela de Porquinhos, desolação e abandono. Crônica de uma visita

Visitar as aldeias dos índios Kanela Ramkokamekrá e Apaniekrá no município de Fernando Falcão deixa sempre uma sensação de ‘interrompido’ e de ‘inacabado’. Não me refiro só á questão fundiária, por si só um bastante complexa e conflituosa, mas à assistência institucional por parte dos organismos federais quais a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), SESAI (Secretaria de Saúde Indígena), e SEDUC (Secretaria Estadual da Educação), principalmente. Na primeira aldeia que visitamos, a Porquinhos, juntamente  com outros missionários, a sensação de abandono não foi pior só graças à dinâmica interna dos Kanela que parecia amenizar aquele quadro. De fato, a sua constância em sentar para debater, reivindicar, celebrar dava a sensação de um povo vivo e dinâmico, resistente, quase que auto-suficiente. Mesmo assim, foi só sentar pela manhã e à noitinha com os homens, no pátio central, para perceber que os funcionários da FUNAI há meses que não os visitavam, que os professores ainda não haviam assinado o contrato, - e que as aulas ainda não haviam iniciado, - e que os responsáveis da saúde, tirando a técnica de enfermagem, nunca haviam cumprido os acordos e as promessas feitas e registradas na Procuradoria da República em São Luis. Sem comunicação e sem transporte todo o mundo torcia para ninguém adoecer, pois haveria tragédia assegurada. Sentados sobre toras de buriti, ou no chão ou em cadeiras improvisadas, mais de 70 homens participavam e reagiam com indignação ao repasse de informações e atualizações sobre a situação fundiária, sobre os impasses na saúde e o descaso generalizado. Também as promissoras notícias da portaria do Ministério da Justiça que assegurava a nova demarcação fundiária do seu território, - reconhecendo a justeza da sua histórica reivindicação, - não despertavam empolgação. Parecia ler em seus rostos que a demora na demarcação física já aprovada e licitada era um sinal que nada viria com facilidade. Que seria preciso muito mais do que a simples coleta de mais de 150 assinaturas para dois abaixo-assinados exigindo seriedade e infra-estruturas específicas na assistência à saúde, como acabavam de fazer. Saímos de lá sob uma leve e promissora chuva que mesmo escassa estava a sinalizar que no desolado cerrado Kanela a esperança ainda não havia murchado por completo.

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