terça-feira, 1 de outubro de 2013

“A corte é a lepra do papado”, afirma Francesco em entrevista ao jornal La Repubblica

O jornal La Repubblica, 01-10-2013, publica entrevista que o Papa Francisco concedeu ao jornalista Eugenio Scalfari. Scalfari escreveu duas cartas a Bergoglio, que foram respondidas pelo próprio Papa, e que agora aceitou o convite do jornalista, fundador e primeiro diretor do jornal La Repubblica. Aqui abaixo só alguns trechos da entrevista.

Disse-me o papa Francisco: “O mais grave dos males que afligem o mundo nestes anos é o desemprego dos jovens e a solidão em que são deixados os idosos. Os idosos necessitam de cuidado e de companhia. Os jovens precisam de trabalho e de esperança, mas não têm nenhum dos dois. Diga-me: pode-se viver jogado fora do presente? Sem memória do passado e sem desejo de projetar-se no futuro construindo um projeto, um futuro, uma família? É possível continuar assim? Isto, segundo me parece, é o problema mais urgente que a Igreja tem pela frente”.

Jesus na sua pregação disse que o ágape, o amor pelos outros, é o único modo de amar a Deus. Corrija-me caso esteja errado.
Não está errando. O Filho de Deus se encarnou para infundir nas almas dos homens o sentimento da fraternidade. Todos irmãos e todos filhos de Deus. Abba, como ele chamava o Pai. Contudo, a exortação de Jesus, recordamos anteriormente, é que o amor pelo próximo é igual ao que temos a nós mesmos. Portanto, o que muitos chamam de narcisismo é reconhecido como válido, positivo, na mesma medida do outro. Discutimos longamente a este respeito. A mim – dizia o Papa – a palavra narcisismo não agrada, indica um amor desfocado para si mesmo e isto não é bom, pois pode produzir graves problemas não somente para a alma de quem é afetado, mas também na relação com os outros, com a sociedade em que vive. O verdadeiro problema é que os mais atingidos por isto, que na realidade é uma espécie de distúrbio mental, são pessoas que têm muito poder. Muitas vezes os chefes  (“i Capi”, no original) são narcísicos.
Também muitos chefes da Igreja foram narcísicos.Sabe o que penso sobre isto? Os chefes da Igreja muitas vezes foram narcísicos e excitados pelos seus cortesãos. A corte é a lepra do papado.

A lepra do papado. O senhor falou precisamente assim. Mas que corte? O senhor alude, por acaso, à Cúria, perguntei.
Não, na Cúria há, às vezes, cortesãos. Mas a Cúria na sua complexidade é uma outra coisa. É a que nos exércitos se chama de intendência, gere os serviços que servem a Santa Sé. Mas tem um defeito: é Vaticano-cêntrica. Vê e cuida dos interesses do Vaticano, que são ainda, em grande parte, interesses temporais. Esta visão Vaticano-cêntrica descuida do mundo que nos circunda. Não compartilho com esta visão e farei tudo para mudá-la. A Igreja é e deve voltar a ser uma comunidade do povo de Deus, e os presbíteros, os párocos, os bispos estão a serviço do povo de Deus. A Igreja é isto, uma palavra, não por acaso, diferente da Santa Sé, que tem uma função importante, mas está a serviço da Igreja. Eu não teria a fé plena em Deus e no seu Filho se não fosse formado na Igreja e tive a sorte de me encontrar, na Argentina, numa comunidade sem a qual não teria consciência de mim e da minha fé.

Santidade, o senhor dissera que não tinha nenhuma intenção em me converter e creio que não conseguiria.
Isto não se sabe; contudo, não tenho nenhuma intenção em lhe converter.

....E Francisco?
É grandíssimo porque é tudo. Homem que quer fazer, quer construir, funda uma Ordem e as suas regras, é itinerante e missionário, é poeta e profeta, é místico. Constatou nele mesmo o mal e o superou. Ama a natureza, os animais, a erva do campo e os pássaros que voam no céu, mas sobretudo ama as pessoas, as crianças, os velhos, as mulheres. É o exemplo mais luminoso daquele ágape de que falávamos antes.

O senhor tem razão, Santidade. A descrição é perfeita. Mas por que nenhum dos seus predecessores escolheu o nome de Francisco? E, segundo me parece, nenhum outro o escolherá depois do senhor.
Isto não sabemos. Não hipotequemos o futuro. É verdade, antes nenhum o escolheu. Aqui afrontamos o problema dos problemas. O senhor quer beber algo?
(Fonte IHU)

Nenhum comentário: