sexta-feira, 1 de abril de 2016

OBRAS DE MISERICÓRDIA - 3. Assistir os enfermos, curar suas feridas e amenizar sua dor

Às vezes fazemos a experiência de nos sentir potentes. Sentimos que as nossas forças físicas e mentais respondem positiva e sincronicamente às solicitações dos compromissos do nosso cotidiano. Sentimos uma enorme disposição interior tão grande que podemos enfrentar os piores desgastes, sem sentir cansaço. A vida parece correr serena e repleta de sentido. Sonhamos e torcemos para que esse estado de bem-estar intenso possa perdurar infinitamente. Quem já não afirmou em alto e bom som: “Saúde é o que interessa.”? Mas, a vida real de todos os mortais não é assim. Verdade é que quando fazemos a experiência contrária, a do mal-estar físico e mental, da doença, da dor, da fragilidade, nos sentimos totalmente deslocados. A terra parece faltar debaixo de nossos pés. Começamos a nos interrogar sobre o porquê de tamanho sofrimento conosco. Perguntamo-nos, até, se não seria, por acaso, o resultado de alguma punição divina. Na doença tudo parece se inverter. A vida parece perder o seu sentido e brilho. Tornamo-nos tristes e indispostos. Descobrimos que quando adoecemos é o nosso ser como um todo que padece. E mesmo quando temos condições de ter um ótimo tratamento clínico nem sempre mantemos a serenidade interior que tínhamos outrora. Descobrimos que somos fatalmente vulneráveis, e isso nos assusta. Nessas horas damos fé que precisamos sim de atendimento médico digno, mas também de alguém que esteja bem próximo apertando com carinho nossas mãos. Precisamos de assistência médica eficaz, mas principalmente de companhia, de colo, de presença amável. Precisamos de acesso gratuito e universal a consultas, internações e remédios, mas também de pessoas atenciosas que nos ajudem a dar sentido à nossa dor.
Aquele que é misericordioso para com os doentes sente que deve abraçar a causa de todos os doentes, e não somente a dos seus. Por isso o misericordioso se indigna, denuncia e clama quando os nossos hospitais e clínicas, asilos e ‘santas casas’, se transformam em empresas mercantilistas. Quando os nossos profissionais nos tratam como ‘mercadorias sanitárias’. Que especulam sobre a nossa dor e o nosso sofrimento para lucrar, e não para humanizar uma realidade que parece nos destruir. Os evangelhos nos mostram quão intensa era a atividade misericordiosa de Jesus para com os ‘doentes impuros’. Era a sua compaixão visceral que motivava Jesus a superar o medo de tocá-los e de se contaminar, e de ir ao seu encontro. Jesus, como dócil assistente dos doentes e fragilizados, compreendia que lhe cabia somente o gesto de ‘levantá-los e reerguê-los’ humana e moralmente. Ou seja, a missão de mostrar concretamente que a doença não era castigo do Pai. Que cabia a Jesus o desafio de valorizar a fé interior do prostrado, e alavancar a sua vontade de voltar ao convívio social. Afinal, era a fé do próprio doente que, de fato, o poderia curar. Sabemos que nem sempre a nossa fé nos cura da forma que nós desejamos. Quando fazemos a experiência de doenças prolongadas ou irreversíveis, talvez a fé nos ajude a somente encarar com firmeza e a aceitar aquela dor aparentemente inexplicável. Paradoxalmente, compreendemos o poder da fé que ‘cura’ quando ao nosso lado, nos momentos de maior fragilidade encontramos quem nos assiste diuturnamente. Que não desperdiça palavras para nos consolar ou para nos conformar, mas que simplesmente está conosco, em silêncio. Talvez sejam essas atitudes misericordiosas o verdadeiro milagre da cura de tantos enfermos que, apesar do sofrimento, ainda têm força interior para continuar a sorrir à vida, mesmo no leito da dor.  (O artigo foi publicado no Jornal do Maranhão, da Arquidiocese de São Luís)

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