sexta-feira, 29 de abril de 2016

OBRAS DE MISERICÓRDIA III - Dar água ao sedento, e saciar a sua sede de justiça

A crise de abastecimento de água potável está a atingir todas as regiões do nosso País, mas de forma mais dramática, a região do Nordeste do Brasil. É um drama mundial. Contudo, a crise da água afeta sempre as populações mais pobres. Nos interiores nordestinos, milhares de pessoas, todos os dias, têm que percorrer vários quilômetros para buscar água de péssima qualidade em açudes públicos, bicas, cacimbas, ou aguardar um carro-pipa que demora dias para chegar. Certamente são louváveis os inúmeros projetos federais de construção de cisternas permitindo a captação e o uso doméstico das águas pluviais. Todavia, não há como esconder que são formas paliativas, principalmente se observarmos a existência ‘açudes bem abastecidos’ em fazendas de deputados e de coronéis da mesma região. Essa desigualdade não advém da seca somente,mas é fruto de má gestão e de egoísmos humanos. Já a Campanha da Fraternidade de 2004 ‘Água é vida’ nos alertava sobre a dramaticidade da falta de água para as populações mais pobres. A CF desse ano nos informa que mais de 15% dos nossos domicílios não possuem água devidamente tratada. E cerca de 40% de toda a água tratada no país é desperdiçada, quando em países da Europa não passa de 9%. Nem falemos das indústrias das ‘águas minerais’ que sob a duvidosa bandeira da venda de água cristalina fazem verdadeiras fortunas, e ludibriam milhões de incautos clientes. Há algo diabólico nisso tudo. De um lado a nossa escassa educação em utilizar de forma responsável o precioso líquido, ‘o ouro branco’. Do outro lado, há em curso, mundialmente, uma clara tentativa de administrar a água como sendo uma mercadoria igual a tantas outras, onde só quem tem dinheiro pode usufruir. Isto já vem gerando conflitos de todo tipo. O que significa, então, ‘dar de beber a quem tem sede’ no contexto de hoje? É profundamente ético e expressão de autêntica caridade ‘dar um copo de água fresca a esses pequeninos’, (Mt. 10,42) - mas é evidente que, hoje, o desafio bem maior é o de ‘saciar a sede de justiça’ que arde em tantas terras áridas e em tantos corpos ressequidos pela fome, a sede e a exclusão. Matar a sua sede significa articulação social e política para exigir o respeito radical aos direitos fundamentais de todo ser vivo, e a execução de políticas públicas que garantam água potável para todos. Custe o que custar. A plenitude de vida que Jesus anunciou através de inúmeros gestos de misericórdia continua sendo o horizonte comum a ser construído sistematicamente, - e não somente idealizado, - por cada cristão. (Artigo escrito pelo blogueiro e publicado no Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luis)

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