segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A questão do sacerdócio corporativo, por Eduardo Hoornaert.

Reproduzo parcialmente um interessante artigo do historiador e teólogo Eduardo Hoornaert. O artigo completo pode ser encontrado no seu blog pessoal. Vale a pena ler.

O movimento de Jesus nasce em oposição ao sistema sacerdotal corporativo, hegemônico na religião judaica da época. O jovem movimento opta pelo sistema sinagogal, de cunho comunitário. Os primeiros líderes do movimento de Jesus são chamados ‘mestres, profetas, doutores, rabinos, rabis. É um modelo sem templo nem sacerdócio, sem ritos nem ordenamentos, centrado numa ação alimentada pela leitura da Palavra de Deus na cotidianidade da vida. Até o Concílio de Niceia (325), não há distinção jurídica entre pessoas sagradas e profanas no seio do movimento de Jesus. Todos são leigos, entre os quais alguns se destacam como ‘mestres. Já no século II, muitos mestres passam a ser chamados ‘hereges’ (embora a palavra ‘heresia’, de início, não tenha nada de pejorativo, pois o termo grego significa ‘livre escolha’: os cristãos escolhem livremente os mestres que gostam de ouvir e acompanhar). O que isso significa? A pesquisa histórica mostra que a luta contra heresias frequentemente esconde a luta por um novo modelo de liderança na Igreja, um modelo hierárquico e corporativo. A partir do século VII, a ‘heresia’ está sob controle e o modelo sacerdotal corporativo reina soberana
Mesmo assim, há documentos que nos revelam que, por parte do modelo comunitário (o modelo dos mestres), sinais de resistência tenaz continuam aparecendo ao longo dos séculos.  Ainda no Concílio de Calcedônia, em 451, há um Cânone em que se declara que ‘a ordenação de um sacerdote que não mantenha um vínculo efetivo e duradouro com uma determinada comunidade, é inválida’ (Schillebeeckx, E. Por uma Igreja mais humana, Paulus, São Paulo, 1989) Por que considerar a sacerdotalização da organização eclesial um problema? É que importa prestar atenção ao vínculo entre a sacerdotalização e a formação corporativa. O clero é uma corporação e seu efeito sobre a igreja povo de Deus é deletério e corrosivo, desmancha aos poucos o vínculo comunitário. Em vez de se relacionar diretamente com uma comunidade concreta (como ainda se verifica no século V), o líder cristão passa a se relacionar em primeiro lugar com sua corporação. Ele se torna membro de um clero. Escuta antes o bispo que as pessoas de sua comunidade. Historicamente há de se reconhecer que o retrocesso sacerdotal provém fundamentalmente de forças que atuam dentro da Igreja (não vem só de Constantino, por exemplo, como se diz tantas vezes). É um processo que se estende por séculos e que provoca aos poucos uma mudança de mentalidade. Quando, em muitas comunidades, aparecem ritos e preces (em vez de leituras bíblicas e comentários), logo aparecem líderes que se comportam como sacerdotes e que tendem a formar uma hierarquia (o fenômeno dos ‘mini-padres’). Iniciativas comunitárias e movimentos contrários aos interesses da hierarquia são gradativamente abafadas e marginalizadas, quando não violentamente eliminadas.

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